Quase exatamente 101 anos depois do monumento erguido em honra a Dante Alighieri, a musa senta-se ao lado do poeta. Beatrice de Dante, escultura de Dilva Conte a ser oficialmente inaugurada na Praça Dante Alighieri neste sábado é a representação daquela que o escritor medieval italiano venerou platonicamente durante sua curta trajetória de 56 anos.
Beatrice, ou Beatriz em bom português, ganhou o pedestal mais alto - o paraíso - da mais nobre obra de Dante Alighieri ( 1265-1321) - o épico poema A Divina Comédia. Mas o que se sabe sobre Beatrice e Dante, de fato? Antes de ela virar objeto celestial, Dante dedicou outra obra à sua musa, talvez a primeira dele a despertar algum interesse literário.
Em Vida Nova, o autor reconta seu amor por Beatrice Portinari ( 1266-1290), filha de banqueiros florentinos, em 42 capítulos de prosa e 31 poemas de métricas distintas. Ali, regozija o primeiro encontro - ele com nove, ela com oito anos - e desfalece com a prematura morte dela, aos 24.
Também em Vida Nova está o prenúncio do que viria fazer por ela no seu mais icônico texto: " Assim, se for do agrado Dele a quem todas as coisas devem a vida, se me forem dados mais alguns anos, espero escrever sobre ela aquilo que nunca foi escrito sobre nenhuma mulher".
No entanto, A Divina Comédia pode ser entendida mais como uma homenagem do que, exatamente, uma relato sobre ela - é sobretudo um texto pungente de cerne político e teológico.
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Consta que Beatrice e Dante nunca se falaram, embora alguns considerem que isso possa ser uma invencionice do poeta, uma vez que ambos pertenciam a famílias de posse.
- A relação é totalmente platônica, é uma criação mental dele com uma simbologia cósmica - fala o escritor e professor José Clemente Pozenato.
- Quanto mais leio Dante, mais fico em dúvida: qual foi, afinal, o papel de Beatriz na sua vida? A de um devaneio de adolescente, a de uma figura mitificada, a de um contrapeso à sua vida de mulherengo durante certo período? - pergunta o escritor e professor Armindo Trevisan.
O fato é que é inegável a influência causada por Beatrice na obra de Dante.
Era costume na época os escritores adotarem musas para dedicar loas a elas.
Se Dante tinha Beatrice, outros fenômenos da literatura italiana da época também adotaram as suas: Francesco Petrarca ( 1304-1374) tinha Laura, por exemplo, e Giovanni Boccaccio ( 1313-1375), Fiammetta.
O escritor mineiro Mario Prata, autor do romance Purgatório - A Verdadeira História de de Dante e Beatriz ( 2007), relata que as musas eram muito atreladas à poesia naquele tempo, e prefere enxergar toda a história com um pouco de humor.
- Inicialmente, a poesia era feita para cantar uma mulher.
Para escrever uma obra daquele porte ( A Divina Comédia), não bastavam aqueles dois olhares - diverte-se Prata, que fez do título de seu livro uma grande tiração de sarro:
- Vi que não tinha nada entre eles, então já que não existe história, foi tipo como uma piada.
No entanto, Prata sabe que não há como dissociar uma figura de outra:
- Não sei se Dante se apaixonou ou escreveu A Divina Comédia pensando nela, só acho que essa mulher merece essa estátua porque foi eternizada por um gênio.
Agora, passados 36.890 dias da solidão de Dante no plano terrestre, ele volta a deparar com Beatrice.
Para um terceiro e definitivo encontro.
Literatura
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