Corria o ano de 1951 quando seu Oscar Boz (1920-2019) decidiu comprar um terreno para construir uma casa em uma nova praia que estava sendo projetada próxima a Capão da Canoa. Não havia vizinhos, tampouco qualquer estrutura para receber veranistas. Tudo ainda era um projeto. Há 70 anos, a tal nova praia, hoje o município de Xangri-lá, também tinha outro nome: Capão Alto. Mas foi ali, na Rua Jacuí, 163, esquina com a Rio Forqueta, que em 1953 ficou pronto um dos clássicos do Litoral Norte: a casa da família Boz — cujo nome não poderia ser outro: “A Pioneira”. Parte dessa história está detalhada no livro Tecendo Memórias, lançado por seu Oscar em 2010, quando ele completou 90 anos.
— Tudo estava ainda por ser iniciado, mas a avenida até a beira-mar estava concluída e calçada. Havia muitos cômoros (dunas de areia), mas a praia era alta e acreditei no projeto — detalhou o empresário de Caxias no livro.
O cotidiano daqueles primeiros tempos - quando seu Oscar veraneava na companhia da esposa Léa Sturtz Boz e dos filhos Maria Luiza, Maria Elena e Eduardo Juliano - também beirava o "jurássico", comparado a hoje.
— Após o desligamento do trator (que fornecia água e energia elétrica), ficávamos em casa com luz de lampião e velas. Nossa geladeira era de madeira e mantida com gelo, para que refrigerasse os produtos comestíveis. Era um transtorno muito grande ficar sempre à procura de gelo.
LEMBRANÇAS
Crescendo junto com o chalé - e com o balneário -, dona Maria Elena Boz Nora, 71 anos, passou a colecionar as memórias do pai, das férias em família e da construção, conforme revelou a repórter Kathlyn Moreira, da Gaúcha/ZH, durante esta semana.
Veraneando até hoje no imóvel com o marido Vitor e a cachorrinha Linda, a aposentada senta na varanda e já começa a contar que as madeiras da casa vieram da Serra e que os funcionários precisavam dormir em Capão da Canoa para fazer o serviço. Finalizada em setembro de 1953, “A Pioneira” passou a ter a companhia de outras quatro ou cinco no primeiro veraneio.
— Prometeram calçamento, iluminação, água, tudo. Um trator ligava um gerador de luz só para eles. Eu lembro que a gente saía e colocava num caderninho quantas casas tinham sido construídas a cada ano. Fomos até 200, daí perdemos a conta — lembra.
Confira neste link trechos de um filme feito por seu Oscar Boz durante um veraneio da família na então praia de Capão Alto (Xangri-Lá), em 1955.
Laranja da cor do tijolo
A inspiração para a estética do chalé foi uma foto que seu Oscar guardou para levar ao responsável pela obra - o construtor Daniel De Angeli. De acordo com Maria Elena, a ideia era fazer algo que lembrasse as casas de jardim americanas, e a cor laranja teria sido ideia da mãe, dona Léa, para ficar parecido com o tom de tijolo.
No interior do chalé, as paredes ainda são verdes, mas em tonalidade mais clara do que a original. As prateleiras onduladas em madeira nas paredes e o lustre também são originais. Já os móveis tiveram que ir mudando com o tempo, devido à ação dos cupins. E o cotidiano da época?
— Como não tinha padaria, tinha que fazer pão em casa. E o leite, a Corlac fazia uma entrega para Capão da Canoa e passava aqui com o caminhãozinho, aí, a gente deixava uma panelinha com o dinheiro embaixo todos os dias para ter leite fresco — lembra Maria Elena.
Venda descartada
Com o avanço imobiliário, já virou rotina a família ser procurada por interessados em adquirir o terreno de esquina.
— Meu Deus! É todo o ano. Eu estou aqui desde 15 de dezembro e acho que já ligaram umas quatro vezes. Eles querem saber o valor. Aí a gente já aprendeu que não adianta dizer que não, então a gente diz que R$ 2 milhões serve — brinca Maria Elena.
A veranista admite que resistir à modernização e à verticalização do Litoral não é fácil, ainda mais com a casa precisando anualmente de reparos pela idade. Ao longo dos anos, a base de madeira já teve que ser substituída por tijolos, e o piso, que era feito em tábuas, passou a ser concretado.
— A gente está vendo que ela está muito sofrida. Para levantar, a gente precisaria de muita grana, mas enquanto ela está em pé, ela fica! - garante Maria Elena. Outro desafio é a segurança. Exceção em meio a várias cercas no bairro, a Pioneira resiste com o quintal de grama aberto para não trair o projeto original. O preço, porém, é alto. Alvo de furtos todos os anos, a família decidiu retirar os objetos de valor e trazê-los novamente nos verões. Até a antiga placa de madeira com o nome "A Pioneira", que ficava na frente, não durava um ano inteiro e era levada embora. Mesmo assim, seu Oscar Boz não desistia: fazia e colocava novamente a identificação.
O fundador e diretor da lendária Malharia Americana e cineasta amador nas horas vagas aproveitou sua casa de verão até 2019, quando faleceu, aos 99 anos.
— Ele tinha um orgulho dessa casa. Passava e dizia “mas ela ainda é bonita!” — enfatiza Maria Elena, nostálgica, sentada em uma das cadeiras antigas da sala.
PARCERIA
Parte das informações desta página foi publicada na edição desta sexta, de Zero Hora. As fotos antigas foram gentilmente cedidas por dona Maria Luiza Boz, filha de seu Oscar Boz.