A Sexta-Feira Santa chega com uma boa notícia para um dos ícones artísticos da simbologia da Páscoa: o afresco "A Ressurreição de Cristo", pintado por Aldo Locatelli nos fundos do altar da Igreja do Santo Sepulcro, será restaurado.
O projeto encontra-se na fase inicial – estão sendo organizados pela paróquia de Lourdes os contratos com as empresas e profissionais que irão fazer a gestão de custos e o restauro propriamente dito. Tudo deverá ser financiado via Lei de Incentivo à Cultura (LIC) Estadual e Lei Rouanet, por meio da captação de recursos junto a empresas.
Conforme o padre Eleandro Teles, titular da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, a qual a capela do Santo Sepulcro pertence, não há infiltrações de água na pintura atualmente, mas ficaram as marcas de antigas infiltrações ocorridas ao longo de vários anos.
– Elas danificaram bastante algumas partes da pintura, que acabaram descascando (confira na sequência abaixo). Há também alguns focos de mofo e fungos – revela o pároco, completando que, em função da pandemia do coronavírus, a igreja está fechada para missas, celebrações, casamentos e, logicamente, para o ritual do Beijo do Senhor Morto, uma tradição junto à cripta na Sexta-Feira Santa.
Há 70 anos
O Afresco da Ressurreição foi iniciado e concluído por Aldo Locatelli em 1952, época em que ele convivia com alunos e professores da Escola Municipal de Belas Artes e dedicava-se às obras do teto da Igreja de São Pelegrino (leia abaixo). Por incrível que pareça, não existe qualquer menção ao mural em jornais daquele período – o que permite supor que o trabalho tenha sido feito a toque de caixa, entre uma atividade e outra. O que temos são algumas lembranças de vizinhos e moradores próximos.
O empresário Paulo Veronese recorda de uma vizinha em especial:
“Tenho a lembrança do que me contava a professora Julieta Neves (das irmãs Neves, que moravam no casarão de madeira na esquina com a Treze de Maio). Eta (como a chamávamos) se lembrava de Aldo Locatelli pintando o afresco na capela, e dizia que ele, enquanto pintava, sempre estava fumando e cantarolando músicas populares brasileiras”.
No ano seguinte, Locatelli dedicou-se ao painel Do Itálico Berço a Nova Pátria Brasileira, uma encomenda da prefeitura e da comissão da Festa da Uva de 1954. Ele foi executado na segunda metade de 1953, pois deveria estar pronto para a inauguração do novo pavilhão da Rua Alfredo Chaves, em 27 de fevereiro de 1954.
Detalhes da obra
O Afresco da Ressurreição foi detalhado pelo professor Luiz Ernesto Brambatti na publicação Locatelli no Brasil, lançada em 2008. Consta no texto:
“Na igreja foi feita uma cripta, que se assemelha ao sepulcro onde Jesus foi sepultado. Acima do altar encontra-se o afresco de Locatelli, como se houvesse uma passagem da morte para a ressurreição. Neste ambiente, ele utiliza cores claras, de suavidade e delicadeza. Estão representadas cinco figuras: três soldados que não compreendem muito bem o que está acontecendo e ficam assustados com a ressurreição; Jesus solto e suave, ascendendo aos céus, carregando a bandeira da paz; e um anjo que o vislumbra, em meio às nuvens. Seu formato é triangular, seguindo a linha gótica da igreja (as ogivas). Neste ambiente pequeno, o afresco se torna grandioso e, ao mesmo tempo, lírico e belo”.
A saber: o nascimento de Cristo também foi eternizado por Aldo Locatelli. O óleo sobre tela “Natividade” decora o fundo do altar da capela das Irmãs Carmelitas, no bairro Panazzolo.
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Entre 1951 e 1953
Os trabalhos de Aldo Locatelli na Igreja São Pelegrino iniciaram-se em 1951, com o mural da Santa Ceia – ela foi pintada em apenas 11 dias. Na sequência vieram o Juízo Final, os 36 caixotões com os versos em latim do hino Dies Irae (O Dia da Ira), a Criação da Mulher, a Criação do Cosmos e a Expulsão de Adão e Eva do Paraíso.
Circundando a Santa Ceia, foram pintados mais dois afrescos: a aparição do Sagrado Coração à Santa Margarida Maria Alecoque (E) e a aparição de Nossa Senhora de Caravaggio à camponesa Joaneta (D). Com exceção da Via-Sacra, tudo foi concluído para a inauguração do templo, em 2 de agosto de 1953.
Já entre 1958 e 1960, Locatelli dedicou-se à confecção de sua obra máxima. As 14 estações do flagelo de Cristo foram confeccionadas em seu atelier em Porto Alegre e inauguradas em 22 de maio de 1960, quando a comunidade caxiense prestava sua devoção a Nossa Senhora de Caravaggio.
Locatelli morreu apenas dois anos depois, em 3 de setembro de 1962, aos 47 anos.
Obras restauradas
O legado de Aldo Locatelli também vem sendo recuperado em Porto Alegre. O óleo sobre tela “A Aparição da Virgem”, pintado em 1962 e localizado no altar da igreja Nossa Senhora de Lourdes, no bairro Azenha, foi retirado no final de fevereiro e está sendo restaurado dentro do próprio templo. Na mesma igreja está ainda a última obra do pintor italiano, a inacabada “Sagrado Coração de Jesus”, de 1962, cuja recuperação também está prevista.
Em Caxias, as obras de Aldo Locatelli passaram por restauro em momentos distintos. O painel Do Itálico Berço a Nova Pátria Brasileira, atingido pelo incêndio de 17 de fevereiro de 1992, na prefeitura, foi restaurado entre 1998 e 1999. Já na Igreja de São Pelegrino, o restauro completo da Via-Sacra e das pinturas internas teve início em 2002.
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