Dando sequência à trajetória das famílias e personagens de Santa Lúcia do Piaí, pesquisados e compartilhados pelo historiador Éder Dall'Agnol dos Santos, destacamos hoje a atuação do médico boliviano Carlos Jaime Arnez no distrito a partir da década de 1960.
Filho de Juan de Dios Arnez e Lola Lobo Arnez, Carlos Jaime Arnez nasceu na pequena cidade de Punata, em Cochabamba, na Bolívia, em 23 de abril de 1929. Conforme apurado por Éder, em 1954, o jovem estudante de 25 anos deixou Cochabamba decidido a cursar Medicina no Rio de Janeiro.
A chegada a Santa Lúcia do Piaí deu-se pouco tempo depois, no início de 1957, época em que o Hospital São Francisco tinha como diretor o doutor Eraldo Christ, natural de Nova Petrópolis. Três anos depois, em 1960, Carlos assumiria o cargo no lugar de Eraldo, trazendo também para atuar por aqui, como dentista, o colega boliviano Gaspar Miranda, de La Paz.
O "Caramba"
Em Santa Lúcia do Piaí, Carlos morou em uma residência localizada próximo ao hospital, local conhecido como "potreiro" – a casa era de propriedade das irmãs que trabalhavam no São Francisco.
Embora tenha assumido o cargo de novo diretor do hospital bem no período eleitoral – e encontrado algumas dificuldades com partidários do médico anterior –, doutor Carlos foi bem aceito pelas famílias da comunidade. Participava de festas da vila e frequentava jantares nas casas dos moradores locais.
Nos momentos de lazer, apreciava tocar violão, juntamente com o padre Paulo, pároco de Santa Lúcia (foto abaixo). Com seu sotaque castelhano, o médico logo ganhou o apelido de "Caramba", expressão muito usada por ele nas mais diversas situações.
Na imagem acima, Arnez (de branco) durante uma solenidade de doação de equipamentos médicos ao hospital de Santa Lúcia do Piaí, no final da década de 1960. A partir da esquerda estão o subprefeito Luiz Tomazzelli, a senhora Neli Comunello Cavalli (assinando a ata), o casal Mário e Emilda Buffon com o filho Marcos, Hilda e Jacó Cioatto com a filha Rejane, além do senhor Luiz Rech. À frente do médico, dona Leontina Andreis e a filha Roma. O registro é do fotógrafo Fiorentino Cavalli, marido de Neli.
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A família Andreis
A integração com famílias locais marcou a trajetória do boliviano também em atividades básicas do cotidiano. Dona Leontina Andreis, esposa do barbeiro Antonio Andreis (o Toni Sota) lavava, passava e engomava as camisas do médico.
Conforme Éder, Carlos gostava muito do capricho e habilidade com que Dona Leontina realizava o serviço, tanto que não queria outra pessoa para realizar o trabalho – a filha Roma Andreis recorda de, muitas vezes, a mando da mãe, ir buscar as camisas na residência do doutor.
Carlos também era muito amigo de Itacir Tadeu Andreis (filho mais velho de Antonio e Leontina) e tinha simpatia por todos da família. Abaixo, um registro da família Andreis no Natal de 1967. O casal Antonio e Leontina aparece com seus 13 filhos: Maria Dolores, Bernardete, Aldo, Paulo, Roma, Altair, Moacir, Divino, Itacir, Iria, Bárbara, Olga e Hélia.
Complicações no parto
Foi junto à família Andreis que Carlos teve um dos casos mais complicados de sua trajetória em Santa Lúcia do Piaí.
Dona Leontina, então com 45 anos, estava grávida da filha caçula, Bernadete Andreis. Conforme apurado por Éder, na véspera de ela ganhar a criança, sentido as dores do parto ainda em casa, seu Antonio Andreis foi com a esposa até o hospital da vila, localizado a alguns metros da residência da família – devido à idade, dona Leontina corria sério risco de vida, tanto ela quanto a criança.
Foi quando, na sala de espera, Carlos deu a notícia ao amigo Antonio Andreis: ele conseguiria salvar somente uma delas. Antonio, em uma decisão que ninguém gostaria de tomar naquele momento, decidiu pela vida da esposa, até por já ter uma prole de 12 filhos. Mãe e filha, felizmente, saíram com vida do parto normal,realizado em 23 de dezembro de 1960, às vésperas do Natal – ficaram, porém, 16 dias hospitalizadas.
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Anos 1970 e 1980
Doutor Carlos permaneceu em Santa Lúcia até meados de 1970 – nesse período, foram adquiridos vários equipamentos cirúrgicos para o hospital e um uma camionete rural, usada no transporte de pacientes.
Após transferir-se para o centro de Caxias, passou a atender em seu consultório na Av. Júlio de Castilhos, 2.261, atuando também no antigo INPS e no Departamento de Futebol do Esporte Clube Juventude. Em 1982, o médico mudou-se para São Paulo.
Carlos Jaime Arnez faleceu em junho de 2018. Ele tinha 89 anos.
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Colaborador da coluna Memória, o historiador Éder Dall’Agnol dos Santos vem pesquisando a trajetória de diversas famílias que ajudaram a colonizar o distrito de Santa Lúcia do Piaí desde finais do século 19. O trabalho, segundo ele, deverá ser transformado em livro em breve.
Moradores do distrito que tenham interesse em colaborar com fotos e dados sobre suas famílias ao longo do século 20 podem entrar em contato pelo e-mail ederdallagnol89@gmail.com ou telefone/whatsapp (54) 98449.9186.