Quem circulou pela Avenida Júlio de Castilhos, entre as ruas Garibaldi e Visconde de Pelotas, no período 1922 a 1980 passou por ele. E quem não conheceu pessoalmente, provavelmente ouviu dos pais e avós um pouco de sua história e fama – principalmente do inesquecível doce de batata doce. Falamos do Mercadinho do Povo, estabelecimento que perdurou por 58 anos e até hoje é lembrado pelos consumidores mais antigos, acostumados a abastecer a despensa com produtos comprados a granel.
Toda essa história começou em 1922, quando o senhor Attilio Mariani migrou de Montenegro para Caxias na companhia das irmãs Sila e Alzira. Após adquirir o casarão de madeira construído em 1880 pelo também comerciante Ludovico Sartori, Mariani instalou ali o secos & molhados que se tornaria endereço obrigatório para os moradores do Centro, arredores e até de outras cidades.
Seu Attilio recordou parte dessa trajetória nas páginas do Pioneiro de 20 de abril de 1985, aos 89 anos: "Quando comecei, a Júlio nem era calçada, a casa foi levantada três vezes por causa das modificações na rua. Ali casei e criei meus sete filhos", contou à época.
Conforme o depoimento do comerciante, "no início, era só fruteira, depois passou a armazém, vendendo de tudo: batata, feijão, milho, farinha do Germani e do Covolan (moinhos). Tudo vinha em sacas, que depois eram despejadas em caixas com separação".
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Sortimento
Além dos produtos básicos, o mercadinho era bastante procurado por causa das rapaduras (especialidades da casa), pés-de-moleque, nozes, castanhas e amendoins. Frangos vivos também não faltavam no variado sortimento.
"Nos tempos áureos, chegava a ter dois empregados só para entregar as compras, ocupando toda a família no atendimento ao público", recordou o fundador na entrevista de 1985. A família em questão era formada pela esposa Pierina e pelos sete filhos: Valdomiro, Luiz, Zulmira, Sérgio, Iria, Nelson e Francisco.
O Mercadinho em fotos
Na imagem que abre a matéria, o Mercadinho do Povo em 1947, com a identificação na lateral da casa. À direita, parte do prédio da antiga Farmácia Confiança, na esquina com a Garibaldi. Ao lado, o terreno que, nos anos 1950, viu nascer o Edifício Caberlon. Subindo a Júlio, os sobrados que cederam espaço aos edifícios Prataviera e Jotacê. Sobrevivente do meio do trecho mesmo, só o prédio da antiga sede dos Armarinhos Caxias, atualmente Lojas Uruguai.
Abaixo, o trecho da Av. Júlio em meados dos anos 1960, com o Mercadinho agora ladeado pelos primeiros edifícios do trecho, o Caberlon (à direita) e o Prataviera (à esquerda).
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Parado no tempo
Há 40 anos, em 28 de janeiro de 1978, o Mercadinho do Povo estampou uma matéria de meia página no Pioneiro. Intitulada "O armazém que parou no tempo", a reportagem destacava que as outrora cheias prateleiras agora estavam praticamente vazias, e os grandes caixotes, onde se depositava as farinhas de trigo e de milho, não tinham mais serventia.
Por volta dessa época, o nome do estabelecimento já havia mudado para Armazém do Povo e era comandado pelo filho Luiz Mariani, morador do segundo andar juntamente com o pai, já viúvo. O ponto nobre também despertava o interesse imobiliário: "Estamos com intenção de vender, para aqui ser construído um arranha-céu", revelou Luiz em 1978. Não demorou muito.
O velho casarão de madeira foi demolido em 1982, abrigando posteriormente as Lojas Marisa. "Os barrotes eram da grossura de um pinheiro, não tinha um cupim. Demoraram um mês para derrubar. Dava para durar ainda uns 50 anos", resignou-se seu Attilio, na entrevista de 1985.
Relíquia do Centro
Em sua coluna no Pioneiro de 8 de julho de 1978, o jornalista Nestor Gollo enaltecia o lugar:
"Não há preço que pague a beleza típica, tradicional e sentimental de uma das mais queridas relíquias do centro da cidade: o velho Mercadinho do Povo, onde ainda se compra doce de batata doce sob um centenário balcão de tampo de vidro. A única coisa moderna lá é a luz elétrica..."
O slogan
Até o slogan do lugar era um primor em rimas: "Mercadinho do Povo, o tradicional mercadinho da Metrópole do Vinho".
Lembranças
"Quando eu tinha seis anos, meu pai, o fotógrafo Reno Mancuso, tinha o estúdio ao lado da Farmácia Confiança, na esquina da Garibaldi com a Júlio. Sempre que minha mãe me levava ao estúdio, meu pai me levava até o Mercadinho do Povo para eu comer doce de batata doce. Eu adorava aquele doce". (Renan Carlos Mancuso, 65 anos)
"Eu era cliente dos doces de batata doce. Economizava minha mesada de domingo para ir lá ou no Café Comercial para comer mil folhas. No mercadinho tinha uma vitrine com vidro trincado e por trás cordões que fixavam bilhetes de loteria. Saudades". (João Alberto Marchioro, arquiteto)
"Ia sempre lá, comprar balas de anis, por peso, colocadas em um saquinho de papel..." (Vanius Corte, advogado)
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