Sempre me considerei uma pessoa amistosa, daquelas que cumprimenta os outros com entusiasmo e beija as bochechas alheias de verdade. Mas aí veio 2020, com todas as restrições deste ano pandêmico. Tive que reaprender a encontrar as pessoas em ambientes sociais e ter que saudá-las com um aceno, uma piscadela (no meu caso, com os dois olhinhos fechando ao mesmo tempo, já que não sei piscar), com toques de cotovelos ou pontas de pés e, com exceções, simulando desajeitados soquinhos.
O abraço, no entanto, aquele que gosto de dar em gente querida, infelizmente não é recomendado. Às vezes, eu perco a compostura e tento ensaiar o gesto, de longe, de máscara, virando o rosto na direção oposta da pessoa. Me sinto uma transgressora! A situação fica quase tão constrangedora que, quando me dou conta, já estou quase arrependida da minha afetividade impulsiva.
Ninguém sabe mais como agir direito nessas situações, perdemos a naturalidade dos encontros. Na real, perdemos até os encontros mais frequentes. Sou uma otimista, porém, e creio que em breve eles serão retomados com a mesma intensidade. Então, entre todos aqueles desejos e resoluções de Ano-Novo, o que mais me interessa são os abraços liberados. Abraços livres, intensos! Isso porque eles são símbolo de tudo de bom que virá com eles: amigos, afetos, confraternizações sem medo e sem restrições de número de pessoas.
Entendo que essa possa ser uma aspiração simplória e somente minha, com pouco eco até entre meus pares. Buscando encontrar apoio para isso, lembrei-me do genial Livro dos Abraços, do Eduardo Galeano, que traz uma série de deliciosos mini textos sobre assuntos diversos, tendo as memórias tratadas com carinho ao revelar pequenos momentos – que são aqueles que costumam marcar nossas interações com as pessoas, com o mundo, com nós mesmos.
Logo no começo da obra, Galeano escreve O Mundo, onde conta que um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus e, contemplando a vida humana do alto, percebeu que o mundo era “um mar de fogueirinhas”: “Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo”.
Há espaço, portanto, para tudo o que nós quisermos. Espero, então, que meu desejo por abraços encontre os desejos sinceros de vocês para o próximo ano. Que esse novo ciclo (na pior das hipóteses, de troca da agenda e do calendário) venha com amplificação de bons sentimentos e que, por hora, a gente consiga contemplar os pequenos momentos que nos abraçam metaforicamente, até podermos voltar a nos entrelaçar de verdade.