Sou dessas mulheres que se acostumaram a carregar o mundo nas costas, mas o mundo, esse danado, sempre encontra um jeito de pesar mais um pouco. Se não é a carreira, é a criatura, a família ou a casa que insiste em não se arrumar sozinha. E, sabe, a gente vai levando, sem capa, sem escudo, sem superpoderes. A gente só vai.
Hoje foi um dia-teste. Acordei atrasada, queimei o feijão de ontem, e, para coroar, uma cólica chegou sorrateira lembrando que ser mulher é uma guerra diária contra o próprio corpo. Com um sorriso de paisagem segui rumo às pendengas, porque não dá para desmoronar logo cedo. Pus outra panela no fogo, dei jeito na bagunça, e ignorei a dor porque odeio remédios.
No caminho, pegando um Uber, o trânsito parecia zombar de mim. Carros e mais carros empilhados numa dança caótica que só a cidade sabe coreografar. Olhei pela janela e vi os olhos cansados de uma mulher que já viveu muito, mas ainda tem muito pela frente.
Chegando ao trabalho, os problemas de sempre: prazos apertados, demandas que não terminam e aquela vontade de vencer mais — comum a nós, mulheres. Respirei fundo e mergulhei no serviço, porque tenho consciência que sou hoje o que sonhei um dia.
No meio do expediente, recebo uma mensagem da escola da minha filha: ela está com febre e preciso buscá-la. Mais uma prova de que a Mulher-Maravilha não vive entre nós. Larguei tudo e fui. No caminho, a mente já calculando como rearranjar a agenda, pensar na sopa para a doente e torcer para que o trabalho não vire um caos sem mim.
Cheguei em casa com uma menina febril e uma lista mental de tarefas. Fiz sopa, dei carinho e remédios, cantei canções de ninar mesmo com a voz embargada de cansaço. A cada olhar, via ternura naqueles olhos imensos de Pilar, mas também sentia a responsabilidade. Eu não podia falhar. Não hoje, não nunca.
Após horas de cuidados ela dormiu. A paz que pedi durante o trânsito da manhã chegou no silêncio da noite. Lavei a louça, guardei os brinquedos espalhados e finalmente sentei no sofá. Não havia televisão que pudesse me distrair do peso nas costas e da dor no corpo. Pensei em todas as mulheres que, assim como eu, vivem essa rotina insana e senti uma espécie de solidariedade silenciosa. Somos muitas, enfrentando batalhas cotidianas que ninguém vê, mas que são tão heroicas quanto qualquer feito mitológico.
A Mulher-Maravilha não tem piriri, não perde a hora, não fica exausta. Mas a gente, mulheres reais, temos dias de luta que não cabem em histórias de quadrinhos ou filmes adaptados. São dias de superação mínima, onde cada tarefa cumprida é uma vitória.
Amanhã começa tudo de novo, a vida não para pra esperar a gente se recompor. É que a Mulher-Maravilha não tem piriri, mas eu sim: a doença da pequena era viral e hoje, ao menos por um instante, deixo a capa da super-heroína ir ao chão e permito-me sentir o peso do dia.