Eu sonhei um dia com a pessoa que sou hoje. Sério, sonhei mesmo — acordada e dormindo. Eu-ontem ansiava ser eu-hoje. E não só eu, sabia? Você, caríssimo leitor, possivelmente sonhou em ser quem é agora e não se lembra.
Tanto se passa entre a realidade e o sonho. Tanto se passa entre a paz e o desespero. Tanto se passa entre o pôr e o nascer do sol. Tanto se passa entre o passado e o futuro. Tudo se passa entre o ser, o querer e o sonhar. Tudo se passa dentro de nós, nas subcamadas da existência cotidiana. É natural que não guardemos o que passou dentro ou por cima de nós. Atropelamento ou atravessamento, depois de superado, importa?
Retornando à minha constatação: sim, me tornei a mulher que quis ser. Ao sabê-lo, me assustei. Não podia crer que algo tão confuso e fora do padrão de criatura bem-sucedida seria a realização do que quer que fosse. Minha primeira reação foi desmerecer minha figura, minha história e minha evolução tão sofrida.
Mas, graças a anos de terapia, anos de enfrentamento aos traumas dessa e de outras vidas, e, sobretudo, à minha incessante dedicação em tentar ser alguém melhor pra mim e pro mundo, posso hoje reconhecer que, de fato, sou meu próprio sonho realizado.
É compreensível que não percebamos o sonho se realizando dentro de nós, visto que os dias nos devoram, a vida nos mastiga e engole. Somos alimentos e estercos do tempo e, no final, somos sempre nutrição. Eu sei, ser gente é complicado, mas você consegue perceber a bela e nobre função de que no nosso final ainda somos úteis?
Entre as mil questões de ser gente está o fato de carregar dentro de si esse buraco sem fundo de existir. Ele é tão profundo que há dez anos cheguei em sua margem e joguei uma pedra. Até hoje a bendita pedra não encontrou o chão.
Trago essa analogia e meu pífio protagonismo para efetivar uma mensagem nada novidadeira que é, na verdade, uma constatação: não há nada o que se fazer, a vida é isso de doer, de curar, de seguir. O jeito é ir em frente, tentando colecionar sorrisos, boas sensações e umas vitórias minimamente válidas.
E, assim como eu, acredito que você também, caro leitor, é um sonho realizado que talvez nem tenha percebido.
Nosso papel é seguir em frente, não deixando que a dureza da vida nos torne insensíveis. A missão está em não deixar que a aridez contamine nosso coração. Lembre-se de que somos feitos de sonhos, e é neles que encontramos a tal motivação dos próximos passos.
Com tudo isso, entendi que a vida é essa constante metamorfose. O eu-ontem é a base do eu-hoje, e o eu-hoje é a semente do eu-amanhã. Somos todos parte desse ciclo interminável de sonhos e realidades.
Então, não pare de sonhar. Você é um belíssimo sonho realizado, um plano perfeito, um excelente investimento. Você é, eu também.