“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo”. E é assim que damos início à coluna da semana. Desse jeitinho, bem leve. Uma coisinha limítrofe entre o paraíso e o apocalipse, esse dual, ditada pelas mais atuais tendências políticas brasileiras: ou tudo ou nada, ou do meu lado ou de lado algum, ou vivo ou morto.
Quando digo aos céus: tu estás comigo! Estou crendo e, somente crendo, jogando minhas expectativas para o alto e pedindo para que seres melhores que eu, criaturas que não são reféns de carne e trauma, possam me trazer algo de produtivo. Com as batidas do meu coração, digo a Deus que, quando ele não estiver sanando pestes abissais e destituindo guerras, que olhe minhas dores mínimas e me dê um colo bom, quentinho. Não é minha intenção sentar à direita de Deus-pai, eu só quero um cafuné Dele vez ou outra..
Um dia, faz tempo, sonhei com o Criador. Sonhei com o que minha mente pensa ser Ele, ao menos. Eu poderia te dizer que foi mágico, inebriante. Não, não foi. Foi horrível, angustiante. O Deus que me habitava à época era uma péssima criatura e nenhum pecado foi amenizado. Nos meus sonhos só havia castigo e dor — não sei se na minha vida era diferente.
A minha existência até ali não foi dotada de gentilezas. Não me prolongarei em explicar essa sentença, se você é brasileiro, sobretudo mulher-pobre-periférica, sabe do que estou falando.
Acontece que, até eu voltar a me permitir à dádiva da Cristandade, foi um caminho árido. Pois é, caríssimos, caminhei e fiz várias maratonas pelo vale das sombras da morte tão conhecidas do grande público até entender que o Deus verdadeiro habitava o meu espírito e eu não devia penitência a Ele. A grande penitência a ser paga é ser gente que sofre, que sangra e que se perde em meio às imensas e sinalizadas avenidas.
Não há em mim conversão, eu não desviei, sou cristã. Sou irmã de Jesus. Olha bem, vê como a gente se parece? Eu tenho espelho em casa, sou sua imagem e semelhança. Somos jovens, gentis, bravos, astutos e capricornianos.
É isso, sou cristã, mas não sou religiosa. A religião me trouxe feridas profundas, me ensinou a vida-dor e o perdão-penitência. Daí fui perdoando a tudo e a todos até que minha humanidade se esvaiu em prol do outro e, num dia comum, minha humanidade se desumanizou. Me vi estática, sem fé, sem sangue, sem ira, sem nada. Só não estava morta, pois eu tinha pernas viciadas em caminhar.
Em miúdos, dentro de uma igreja perdi minha fé e fora dela, entre bêbados, violências e mendigos eu a reencontrei. Não uma fé de cruz, mas a crença em gente que luta para ser melhor para si e para o outro, como eu arduamente faço.
Sim, eu sou gente e ninguém me preparou para ser ruim ou boa, mãe ou pai, filha ou irmã, sozinha, casada ou amante... E, em todas as possibilidades, não me sinto pronta, mas sempre olho para dentro de mim e não me sinto sozinha, vejo que sou uma tentativa bem promissora e sigo com fé, que a fé não costuma faiá.