Vivemos tempos onde louvamos a rotina de maratona: 1,2,3 e dispara. E lá vamos nós em súbito desespero, cotidianamente, para viver cada segundo. Acordamos no susto, engolimos o alimento, sempre correndo. Agendamos atividades para um dia, que nem em três seria possível. Executamos mais tarefas que nossa produtividade natural consegue. Forçando corpo e mente, seguimos exaustos.
Dia desses estava lendo sobre a Síndrome de Burnout. Para quem não sabe, em suma, Burnout é uma doença dos nossos tempos, caracterizada pelo estado de tensão emocional e estresse crônico, causados por condições físicas, emocionais e psicológicas exaustivas. Basicamente, é a doença que marca a exigência sobre-humana de sermos mais competitivos, bem sucedidos e até mais bonitos.
Viva a vida intensamente, dizem eles. Eles que estão lá em cima, tão acima que não conseguem ver os problemas que enfrentamos aqui embaixo. Nós, mães-solo que corremos sem opção e sem saber direito pra onde; nós, mulheres-trabalhadoras, que ralamos mais e ganhamos menos; nós, que nascemos sem berço e, à duras penas, com nossos braços construímos casas, famílias e futuros.
Virou o ano, é janeiro, tudo tão novo. Janeiro é o mês dedicado à saúde mental e penso cá, comigo: a quem essa reflexão deveria chegar? Com todas as minhas forças, queria que ele ecoasse nos ouvidos de quem tem ímpeto pra seguir mas não tem autoestima pra acreditar que pode ir além.
Autoestima tem a ver com o amor que entregamos a nós mesmos. E como pode alguém se amar se isso nunca foi lhe ensinado? Acreditar no seu próprio sucesso se essa é uma palavra nova no vocabulário da periferia, como?
Escutar o discurso da meritocracia e da igualdade de oportunidades, na maioria das vezes, nos sangra os ouvidos. Para nós, que somos filhos de Maria-ninguém, vencer o dia já é vitória alta, não ter sucumbido ao crime na juventude é quebrar a banca e se amar é sorteio milionário pra pouquíssimos ganhadores.
Entre as máximas da minha vida, no topo está a voz de Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim. Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Vivo sob esse poético guarda-chuva, que me leva sempre adiante.
A existência dos que não nasceram com a sorte de ter sorte é baseada quase exclusivamente em coragem. E ela nunca nos falta. Coragem pra sorrir, coragem pra seguir, coragem pra sonhar.
Para além dos superares diários e Burnout’s que não nos permitem deixar transparecer, nós, que não somos eles, temos um trunfo em mãos. Somos movidos por necessidade e inspiração. Necessidade está em nossos dias como o ar que respiramos e a inspiração está em cada olhar de esperança que nos toca.
Lembrando que ter esperança é um ousado e gigantesco ato de coragem.