Entre uma bebida e outra, no tempo escasso de descanso que tenho, relembro, rememoro, revivo, rio e choro como se ainda lá estivesse. Lá onde? No passado. Aquele lugar de segurança, onde sabemos o que virá depois. Aquele lugar, onde se tem certeza do quão intenso — ou não — é o que sentimos. Onde o adeus é sempre certo. Onde a dor já passou.
Saboreando frutas vermelhas que me causam estranheza e maracujás que têm um amarelo tão brilhante que impressionam, sentindo no fundo da língua o amargor do gin, penso: memórias são coisas idas que não voltam, não há um porquê de se esperar uma repetição do que aqui jaz. Porém, ser gente é crer, ter fé. Fé é acreditar piamente em sabe lá o quê, que está sabe lá onde. Estando esse objeto de crença nos céus, nos abismos ou nos tempos perdidos, temos uma doença engatilhada como bazuca, pronta para ser disparada com alvo certo. Essa arma, se descarregada, arregaça corpos, passados, presentes e futuros. Não há quem possa com a pretensão de quem quer voltar e reviver o que não existe mais.
Reviver é incrivelmente satisfatório quando essa emoção está dentro de nós. No dentro há mecanismos de esquecimento. Coisas que se foram, as quais o tempo se encarregou de enterrar, amenizar e facilitar. Dores são amenas quando lembramos delas, mesmo que na hora de seu estopim, estivemos sangrando e inertes no chão, implorando por ajuda. Sei disso, pari uma criança, naturalmente e sem anestesia e não tenho memória da dor real do momento.
Uma frase clichê, dita nas ruas, reality shows, corredores de repartições e, principalmente, entre muros de vizinhanças mundo afora, diz que o passado é lugar de referência, não de residência. Concordo, assentindo a cabeça com força e coragem, levantando as mãos e aplaudindo. Poucas certezas são tão certas quanto o que se fala entre muros de mulheres/ homens que dividem a mesma existência.
Eu, hoje, depois de reflexões profundas, textos que nunca consegui finalizar, sessões intermináveis de terapia, choros guardados e silêncios flagelantes, percebo, ao som da minha própria dificuldade de respirar, que Bituca estava certo o tempo todo: sei que nada será como antes amanhã.
Não há nada que eu possa fazer para se ter a sensação do antes no agora. O que posso fazer é interiorizar o quão humana pude ser, com as condições que eu possuía pr’aquele momento, aceitar a realidade do que já foi, entender que a vida e as possibilidades dos anos me fizeram uma criatura diferente, que concebe e lida com tudo de uma forma diversa. Sim, eu faço o que posso e dá para fazer. Não controlo tudo!
Incontrolável é a vida. Incontroláveis são os dias que passam com suas alegrias e tragédias que nos consomem. Incontrolável é o futuro que não nos permite domínio algum. Incontrolável sou eu, que sou fruto do que ocorreu na caminhada alegremente sôfrega que me foi entregue.
O passado é história, conto aos meus amigos, minha filha, contarei aos meus netos. No espelho vejo: eu sou presente, meu presente.