Como a acompanhar o percurso do Sol pelo signo, pautas aquarianas pipocam nos noticiários. A revelação da terrível situação dos povos yanomami causou horror ao mundo inteiro. Como pode tamanha desumanidade? E pior: um descaso com suspeitas de ter sido intencional, apontando para o que se entende por genocídio. Com Saturno, o astro da realidade, em seu transitar pelo humanitário Aquário, nossa falha civilizacional se escancara. Que sonho de futuro pode haver se perdemos o respeito pelos outros e pelo bem de todos que é o meio ambiente? Eis a questão dura que Saturno nos atira à cara.
Futuro e humanidade são temas do signo que eleva o próprio olhar a uma dimensão social e planetária. Sem a consciência superior de que somos todos humanos apesar do que culturalmente e etnicamente nos distingue, não pode haver a paz e a justiça necessárias a um projeto viável de planeta para seus oito bilhões de habitantes. Assim, Aquário olha para o amanhã, no afã de promover desde agora as mudanças necessárias que viabilizem a melhor convivência entre os humanos e entre humanos e o ambiente. Para isso, Aquário sonha e cria utopias, como projetos de um mundo ideal que a todos contemple.
Utopias, é claro, são imaginações. Sociedades perfeitas não existem, pois humanos são naturalmente imperfeitos. Mas tais projeções são necessárias na condução de nossa realidade. Como explica o sociólogo Eduardo Giannetti, as utopias funcionam como um contraste que realce com tintas fortes a distância entre o que somos e o que aspiramos a ser. O ideal, diz ele, “é uma arma com a qual se desnuda um mundo errado, injusto e opressivo”. O sonho do que pode ser e o desejo de mudar terminam por fertilizar o real, expandindo as fronteiras do possível.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano gostava de repetir a leitura do cineasta argentino Fernando Birri sobre a função da utopia. Birri situa a utopia como uma visão ideal que sempre se localiza no horizonte. Por mais que caminhemos em direção a ela, mais ela se afasta, sempre inatingível. Para que ela serve, então? Ora, para que nunca deixemos de caminhar.
O Brasil, com seu ascendente em Aquário, é um lugar de utopias. Epítetos como “o país do futuro” confirmam uma sina histórica forjada desde os primeiros navegadores que por aqui vislumbraram um paraíso terrestre. Gostamos de nossa imagem múltipla e sincrética como povo e, cheios de esperança, esperamos que algum governante redentor venha cumprir nosso destino de ordem e progresso. “Ai, essa terra ainda vai cumprir seu ideal”, canta Chico Buarque no Fado Tropical. Mas sempre chega Saturno, com sua foice realista e fria, a cortar o barato de nosso devaneio e a mostrar o quão distante estamos de sermos um povo cordial, que se orgulha de sua diversidade.
Não é de estranhar a desconexão com os ideais humanistas de nossa utopia brasileira. Ainda ecoam por aí os brados de multidões que, temendo o futuro, se inebriaram com a proposta de retorno a um passado prepotente e limitador. A esses, Saturno também deu a sentença realista: é para frente que se anda! Por isso, urge retomar o longo e penoso passo de nossa construção como civilização, indo adiante. O impactante relato do líder yanomami Davi Kopenawa em A Queda do Céu devia ser como uma bíblia – utopia minha. E termino com a utopia indigenista e redentora de Caetano: “Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante / De uma estrela que virá numa velocidade estonteante...”.
Ah, esse índio virá, que eu também vi.