Antes da descoberta dos distantes Urano, Netuno e Plutão, a astrologia antiga, ignorando a existência de outros planetas além dos observáveis a olho nu, tinha Saturno como a última fronteira. Esse astro de pálido brilho amarelo era chamado de “grande maléfico” por suas associações com limites e restrições. A moderna astrologia já não o vê com tintas tão negativas. Mas seu movimento por certa posição num mapa celeste sempre revela uma área de acerto de contas com a realidade. E Saturno agora, em seu giro de 29 anos, transita de novo no ponto do signo ascendente do Brasil, em Aquário. Estamos num limiar: um tempo acabou, outro está a nascer.
É natural que o fim de todo ciclo convide a avaliações. Nessas ocasiões, tanto pode haver uma boa recompensa pelos esforços empenhados – e o Saturno mitológico, com sua foice, era o senhor das colheitas –, como o reconhecimento das fragilidades da etapa concluída e dos ajustes e melhorias para prosseguir. Qual um professor severo que devolve a cada aluno o justo valor de seu desempenho, Saturno entrou na tradição astrológica como um parâmetro de consequências. É a tal história de cada um colher o que plantou.
Saturno é um planeta ambivalente, para além desse nível de ser um prêmio ou uma cobrança. Ele é o construtor que também aponta a hora da mudança. Tanto que, no zodíaco, rege o terrestre e conservador signo de Capricórnio e também o aéreo e inovador Aquário. É o mesmo princípio estruturador operando no universo concreto capricorniano e como modelo social aquariano, embora pareçam instâncias tão distintas. Seja como for, faltas ou excessos podem comprometer o todo. Saturno é o problema ou a dor que sinaliza correções necessárias. Aliás, como disse o psicólogo Carl Jung, não há crescimento sem dor.
Em sua posição atual no mapa do Brasil, Saturno situa o país numa experiência limítrofe, dura, é claro, mas necessária a sua afirmação aquariana como um país complexo. Doa o quanto doer, precisamos acordar para o fato de sermos como somos: uma sociedade desigual e heterogênea, afetuosa e violenta, libertária e autoritária, mas sempre em busca de um ideal maior de comunhão (será possível?) entre suas partes, com justiça social e fraternidade. Precisamos crescer pela dor de termos nos afastado dessa utopia de tentar validar o mito de “país do futuro”, sincrético e respeitoso das suas diferenças.
Nos últimos anos, a difícil oposição de Netuno sobre o Sol e o Mercúrio do país, levando a delírios e projeções messiânicas, enquanto Saturno em Capricórnio, conjunto a Plutão, fazia emergir projetos de poder reacionários e anacrônicos, afastou a nação de seu humanista sonho aquariano. Gente, onde foi parar o tal Brasil gentil? Pois bem, agora Saturno nos obriga a fazer nascer de novo, desta vez com mais experiência, nosso projeto mais generoso de nação. O mestre da realidade, então, entrega a fatura dos recentes excessos e alucinações.
Pois não há como retroceder ao passado – Aquário é o signo do futuro. E da diversidade e da democracia.
Essa fase de limiar – no auge agora – se desdobra por cerca de dois anos e encontra paralelo na passagem anterior de Saturno pelo ascendente do Brasil, há 29 anos. Foi o tempo do Plano Real – e Saturno adora o que é real! –, que desenhou um novo rumo de progresso ao país. Hoje, ao revelar sem disfarces o horror dos desvios de rota dos últimos tempos, Saturno já nos mostra, pelo menos, o país que não queremos. E se a maioria quer paz, façamos a paz.