Na entrada do shopping, escuto a pergunta de uma menininha à mãe: “Aqui é a casa do Papai Noel?”. Não consegui ouvir a resposta da mãe, mas a pergunta cabia. O cenário montando em torno de um Papai Noel de barba branca de verdade só podia ser o reino do velhinho que distribui presentes no Natal. E lá estava ele, sentando em sua poltrona, com algumas crianças em fila para tirar fotos e abraçá-lo. Segui apressado no rumo do supermercado, mas fiquei pensando em como fazia sentido ali aquele senhor bondoso que simboliza o prêmio material pela boa conduta. Sim, Papai Noel no shopping é o suprassumo de um Natal celebrado no signo de Capricórnio.
Todo mundo sabe que a celebração do nascimento de Jesus em 25 de dezembro foi uma convenção da Igreja, no século 4 do cristianismo. Como a data real de tal nascimento era desconhecida, a data eleita foi estratégica para a afirmação da nova religião sobre o paganismo, já que nesse período o Império Romano celebrava os ritos de Mitra, com a festa do Sol Invencível, e de Saturno, com as Saturnálias. Deu certo. O Natal destronou Mitra e Saturno e segue firme como um dos pilares das celebrações cristãs. Contudo, dentre os símbolos natalinos atuais, o Papai Noel talvez seja o mais popular e o mais alinhado a Capricórnio.
A essência capricorniana de criação de estruturas mundanas pode ser reconhecida já na invenção da tradição natalina, que ajudou a empoderar o cristianismo. Com o tempo, símbolos de distintas culturas foram incorporados à celebração do nascimento do menino que representou a vitória da vida sobre a morte. Luzes e árvores enfeitadas são exemplos disso. O presépio surgiu no século 13, pelas mãos do italiano São Francisco de Assis, que queria encenar o divino nascimento numa noite de Natal. Já o Papai Noel só chegou com força no século 20, em pleno vigor do capitalismo. Prova disso é que o visual bonachão do velhinho, que se tornou padrão, apareceu por primeiro num comercial da Coca Cola, em 1931. Nada a estranhar, portanto, ele reinar num shopping no período de maior faturamento do comércio.
Mas não se trata de uma mera forja de imagem com fins apenas comerciais. O Papai Noel também é fruto de fusões culturais de diferentes matrizes religiosas. Estudiosos tanto reconhecem nele traços da lendária generosidade de São Nicolau, bispo do cristianismo primordial que distribuía sua riqueza entre os pobres, como do mito de Odin, deus de barbas brancas da mitologia nórdica que costumava entregar presentes aos mortais por ocasião do solstício de Capricórnio. A propósito, a imagem do ancião benfeitor é associada a Capricórnio, signo regido por Saturno, astro homônimo do deus romano das colheitas e do tempo.
Falando em colheitas, a cornucópia, vaso de chifre que guarda riquezas, também tem relação etimológica com Capricórnio — ambas palavras falam em chifres. A cornucópia, por sinal, é símbolo da economia, área de maior interesse para Capricórnio. E a relação de troca por merecimento — quem se comportar bem ganha presente — talvez seja uma das primeiras noções de economia como ideologia que recebemos na infância. Com seu saco/cornucópia cheio de regalos para os comportados, Papai Noel endossa, ainda, o questionável conceito de meritocracia.
Materialismos à parte, entre trenós, renas e neve de mentira, o velhinho do shopping só não deve é ofuscar o motivo maior da encenação: o menino pobre na manjedoura, que veio falar de partilhas de amor e de pão para todos. Todos mesmo.