Feito quem caminha trôpego no fim da maratona mas insiste em seguir, ainda que cambaleando, até a linha de chegada; feito um cão vadio que abana o rabo ao primeiro estranho que aparecer mesmo tendo levado um chute cruel de outro estranho pouco antes; feito a prostituta bondosa Cabíria, do filme de Fellini, encantando-se com uma banda de música a passar e até esboçando um sorriso, apesar do rosto lavado em lágrimas por mais um desatino amoroso; feito quem insiste em bater em dez, cem, mil portas fechadas, confiante que alguma delas enfim se abrirá; feito a bendita esperança: que não se desista nunca da vida nem da fé em que o amanhã será ainda melhor que o hoje e que os ontens.
Qual criança que acorde antes de todo mundo no dia programado para a viagem de veraneio; qual o Pequeno Príncipe a esperar feliz pela amiga raposa no usufruto de saber antecipar as presenças queridas; qual um doce que se coma demorado por toda rara delícia que ele encerre; qual o perfume que se queira eternizar no próprio corpo após o abraço apertado ao ser mais que amado; qual o pulsar acelerado do coração diante do encontro tanto ansiado; qual o maravilhar dos olhos ante o primeiro vislumbre do que faz a alma se aquecer; qual um livro que se revele ainda melhor à segunda leitura: que se aprenda a degustar o que traz cada momento de confortante ou surpreendente.
Como quem descobre uma ideia ou conceito que subitamente ilumine recônditos de si mesmo e encha tudo de graça; como o saber que conduz a novos saberes e a outros novos infindos saberes, na trilha desejada pela mente ávida; como a liberdade de se sentir dono da própria vida e, por isso, envolvê-la em amor e cuidado; como a lucidez de compreender que se a nossa vida é sagrada, todas as outras formas de vida são igualmente sagradas e merecem respeito e atenção; como o contentamento interior que emerge de toda atitude de gratidão; como a confirmação de que o coração exulta de alegria quando partilhamos com os outros o bom de nossas colheitas: que saibamos sempre seguir o que é mais luminoso em nós.
Igual quem joga e se joga numa partida qualquer pelo mero prazer da diversão; igual quem carrega a estranha mania de ter fé na vida, como na canção do Milton, e louva o eterno movimento e o que virá; igual quem não se cansa de fazer do cotidiano um campo sempre aberto para as aventuras do espírito; igual quem faz do fato mais prosaico um possível alvo de epifanias; igual o sábio que reconhece nada saber e segue sendo aprendiz da vida; igual meta que se cria para animar os dias e dar sentido ao viver; igual flechas que voam no azul do céu de Sagitário – raios vitais de confiança, otimismo e gratidão – no preparo da nova estação, o verão, que chega a nós no solstício de Capricórnio, dia 21, às 18h49min, pedindo a prática dessa linda ideia de que viver é mais que uma benção – é um milagre!