É cada perplexidade todo dia! Mesmo sabendo da onda fundamentalista que ronda este país orgulhoso de sua diversidade de credos, ainda assim fiquei chocado com a recente notícia da queima da estátua da ialorixá Mãe Stella de Oxóssi (1925 – 2018), em Salvador. Conheci o monumento erguido em 2019 nas proximidades do aeroporto, e vê-lo nas minhas chegadas e partidas era uma reafirmação da força da cultura de matriz africana na Bahia, minha terra. O monumento já tinha sido vandalizado antes, mas seu incêndio, agora, liga um alarme: uma ideia de Brasil pacífico e tolerante agoniza gravemente.
Não existiria a Bahia como é sem figuras como Mãe Stella, a quem sempre pediam a bênção Jorge Amado, Dorival Caymmi e Pierre Verger. Mais que uma carismática e atuante líder religiosa, ela foi autora de muitos livros e importante figura na preservação dos saberes ancestrais do Candomblé. Para além da reconhecida relevância cultural, a imagem de Mãe Stella carrega uma significação mais ampla: a de uma mãe étnica, negra, no sentido de matriz a ser respeitada. Atacaram, portanto, uma fonte simbólica, justamente no estado que se fez fonte originária do que chamamos de Brasil.
O fato choca por envolver a memória de uma personalidade querida como Mãe Stella, mas seria inaceitável em qualquer outro contexto. Como, num país democrático e laico, alguém pode se autorizar a destruir as alusões a um culto diferente do seu? E o obrigatório respeito, fundamental ao pacto civilizatório, como fica?
É curioso a agressão ter ocorrido sob o signo de Sagitário. Na roda zodiacal, a etapa de Sagitário define o que dá sentido à vida ou tenta explicá-la. Isso envolve do conhecimento acumulado a questões filosóficas e religiosas. Sagitário rege o conjunto de crenças assumidas como verdades maiores, que passa a ser uma moldura de visão sobre tudo. Tal moldura pode ser elástica ou restritiva, por fatores sempre culturais, e vai impactar no modo de governo a ser aplicado na fase seguinte da roda, em Capricórnio.
Assim, Sagitário é a constituição que embasa o poder de Capricórnio, é o dogma de fé antes das permissões ou interdições. E como crenças são sempre relativas, os países livres costumam prever, em suas constituições, a sensata separação entre religião e política, criando estados laicos. Que haja liberdade de crença, sem interferência direta no poder secular.
No Brasil, apesar do que diz a constituição, e em consonância com o exponencial aumento de igrejas neopentecostais, cresce a atuação de pastores na política. Nada contra, qualquer grupo social tem o direito de se fazer representar no poder. O problema está nos discursos desses líderes, geralmente de teor radical, a demonizar principalmente as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda.
Seria leviano atribuir, sem provas, o atentado ao monumento a Mãe Stella a qualquer grupo religioso. No entanto, esta é apenas mais uma entre tantas violências contra as citadas religiões afro-brasileiras, insufladas por ataques declarados nos meios próprios de comunicação de certas igrejas.
Engraçado é que tais fundamentalistas, que vivem citando a Bíblia, nada sabem da compaixão pregada por Jesus. Tampouco os pastores políticos falam da tentação de Jesus pelo diabo com a oferta de poder mundano – e que Jesus recusou. Enquanto a hipocrisia se impõe descaradamente e a sombra de uma guerra santa nos ameaça, o inferno vai virando uma realidade para crentes ou não. Estado laico, cadê tu?