Sei a idade que eu tinha quando vi a estreia de E.T. – O Extraterrestre, em 1982, mas não sei precisar que idade pareci ter dias atrás, quando revi o filme no relançamento por conta de seus 40 anos. Nas duas horas de exibição, talvez eu tenha voltado a ter uns 10 anos, a mesma idade de Elliot, o menino que faz amizade com o alienígena deixado na Terra. De certeza, só posso assegurar que o filme preserva sua intensa carga de magia, bem como seu poder de despertar em nós uma das mais sublimes e necessárias qualidades humanas: a empatia.
Maravilhei-me, ri e chorei como na primeira vez, devolvido à condição de sensibilidade esperada de um habitante do terceiro planeta em torno do Sol. Ah, quisera muita gente esquecida da própria humanidade pudesse se deixar tocar na alma pelo dedo mágico do extraterrestre! Quisera a luz curativa do afeto e da atenção pudesse estar acima dos bretes ideológicos que hoje separam amigos e irmãos em trincheiras de ódio! Numa visão meio doida, imagino todo mundo sendo levado a ver ou rever E.T. para reaprender a ser gente de verdade com o resgate da própria criança interior.
Vinde a mim as criancinhas, pois o reino dos céus pertence aos semelhantes a elas: assim ilustrou um divino homem a postura de espírito necessária para a vida eterna. E.T., o filme, reafirma o valor do olhar de pureza infantil. Os adultos que querem capturar o alienígena aparecem sempre da cintura para baixo, na perspectiva dos pequenos. Ao abordar as relações entre um ser do espaço e crianças terrenas, o filme se abre para leituras simbólicas que tangenciam o sagrado e o transcendente. Nada a estranhar, visto que o diretor Steven Spielberg é de Sagitário, signo que traça pontes entre terra e céu, entre o humano e o divino.
Presente também no cartaz do filme, a imagem dos dedos indicadores do extraterrestre e de Elliot se tocando reporta ao famoso quadro da divina criação do homem feito por Michelangelo. O coração flamejante do E.T. lembra o coração de Jesus da iconografia cristã, pulsante de uma compaixão exemplar. O arco-íris deixado no céu pela espaçonave se associa ao arco da promessa do Gênesis, como um pacto de amizade entre o distante céu e a presente Terra. A sintonia emocional entre o visitante estelar e o menino bem pode evocar o pressuposto de plena empatia pregado por Jesus. É a materialização do mandamento de amar ao próximo como a si mesmo.
A deliciosa aventura de ficção científica ainda se abre a outras leituras simbólicas. Há coincidências curiosas entre os mapas astrológicos do diretor, do lançamento da obra e dos tempos atuais. Nas três situações aparecem os efeitos da sempre opressiva conjunção entre Saturno e Plutão. A mais recente, de 2020, ainda vibra no rastro das citadas divisões calcadas no ódio. Mas, tanto no céu natal do diretor quanto no da estreia do filme, o Sol e Urano estavam em oposição, como um contraponto de libertação. É como a voz da consciência a mostrar soluções humanistas para o que nos limita e separa. E o respeito para com o estranho (Urano rege o que é “diferente”) é a saída redentora.
Nesses 40 anos, E.T. já voltou a cartaz algumas vezes. Talvez como nunca antes, Spielberg — sagitariano de olhar amplo e alma de guri — agora soe profético em sua mensagem de amor e compaixão realmente universais. O destrutivo ódio impera ao redor. Então, que volte a pulsar em nós o puro coração de criança. Como o filme mostra, os adultos é que devem aprender com os pequenos.