Que alegria poder falar de delicadeza! E melhor ainda: louvar um artista brasileiro que encarna a delicadeza possível do humano. Esse artista é o Paulinho da Viola, que completa 80 anos neste 12 de novembro. Repare nele falando — a calma celestial, a expressão respeitosa e gentil. Repare nele cantando e tocando — a doçura na voz, a música fluindo mansa, exata e envolvente. Não dá vontade de abraçar esse senhorzinho querido?
O diminutivo no nome já sinaliza que Paulinho é íntimo da gente, é de casa. Carioca, filho do samba, esse escorpiano abriu um caminho próprio na MPB e tornou-se um gigante, mas jamais abandonou o próprio ritmo de ser e viver: devagar, miudinho, devagarinho. Paulinho encarna agora, mais que nunca, a gentileza perdida num país assolado por estridências e violências. Essa crônica é um abraço a esse artista que me toca fundo desde a infância, quando sua música passou pela primeira vez em minha vida e meu coração se deixou levar.
Paulinho veio da safra cósmica de seres tocados pela conjunção entre Saturno e Urano em Gêmeos, que ocorreu em 1942. Por esse viés, ele é da mesma cepa de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Clara Nunes, Tim Maia e Milton Nascimento. Cada um a seu modo, todos traçaram, na encruzilhada de revoluções da década de 1960, uma rota original em que tradição e modernidade dialogaram com rara beleza. “Quando eu penso no futuro / Não esqueço o meu passado”, cantou Paulinho em A Dança da Solidão.
E que passado teve esse homem! O pai, violonista, costumava receber em casa, para animadas rodas de choro e samba, bambas como Pixinguinha e Jacó do Bandolim. O moleque Paulinho assuntava a tudo, encantado. Mas custou a convencer o pai a lhe dar um violão. Seu César queria para o filho um rumo menos incerto que o de músico. Porém — ai, porém —, a vocação gritou mais forte. Embora tenha trabalhado em escritório de contabilidade e em banco, o jovem, que já andava com o violão a tiracolo, terminou indo parar no grupo que animava as noites do bar conduzido por ninguém menos que Cartola. E quem pode conter um gênio quando está prestes a desabrochar?
Paulinho foi logo requisitado para projetos musicais ao lado de ícones como Clementina de Jesus e Zé Keti, levando e elevando o samba a inéditas dimensões. Em 1969, no frissom dos festivais, saiu vitorioso com uma canção que o distanciava completamente do samba: Sinal Fechado. O angustiante diálogo num semáforo bebia na estética dos tropicalistas, com sua colagem de imagens, ao mesmo tempo em que denunciava metaforicamente a asfixia da ditadura. O contido escorpiano mostrava que também podia inovar e aferroar.
A consagração absoluta veio em 1970, com Foi um Rio que Passou em Minha Vida, hino à sua amada escola, a Portela, e que o Brasil inteiro cantou, canta e cantará. Na trilha de Noel Rosa, Paulinho mostrou que o samba de verdade nasce no coração. Assim como ver a Portela na
avenida fez o coração do poeta trocar a tristeza por uma alegria curativa, ouvir um samba do Paulinho da Viola faz nosso coração brasileiro recordar-se da própria essência: a nossa expressão maior como um povo que exalta a união e a celebração.
Por isso, ao louvar aqui a elegante delicadeza de Paulinho da Viola, torço pelo retorno do meu país ao respeito por suas diferenças e ao reconhecimento dos seus tesouros. E fico a celebrar o amor, cantando junto com Paulinho em Argumento, Coração Leviano, Timoneiro, E a Vida Continua... Isso já livra meu coração de qualquer veneno.