Depois dessa receita, só preparo frango assim. Quando faço esse prato, até os vizinhos batem na porta. Nunca mais cozinho batatas de outro jeito. Como não descobri antes esse modo de cortar cebolas? Aqui em casa, pedem esse refogado todo dia. De que cidade você está nos assistindo? Seu like é muito importante para nós. Acione o sininho e receba as novas postagens. Compartilhe nossas publicações. Agora só faço churrasco desse jeito. Diga sua cidade para que eu mandar um abraço. Não deixe de comentar e se inscrever no canal. E por favor, não esqueça de dar o like.
Sob as ondas de Aquário, é inevitável pensar nos jargões que a aquariana internet vai criando e nos enredando. Há muito tempo venho observando, um pouco como consumidor e mais como curioso pelo fenômeno, a invasão da gastronomia anônima nas redes sociais e nos incontáveis canais no YouTube. Das cozinhas mais precárias e humildes àquelas já com ares de estúdios profissionais, pipocam candidatos a chefs. A arte culinária, antes circunscrita aos dons de um ou outro familiar ou de badalados profissionais, parece ter explodido como meio de fama, fortuna e afirmação profissional.
Ter o seu próprio canal na internet é talvez a primeira etapa na revelação de qualquer pessoa que assuma ter algum talento para a cozinha. Enquanto nos canais oficiais de televisão os realities de gastronomia proliferam, vídeos na internet tornam públicas as performances de desconhecidos com suposta boa mão para a comida. Quem sabe daí não surja o convite para uma disputa em rede nacional? O certo é que, com a internet, o futebol já não é a única via para que um talento anônimo de repente se alce a celebridade. Vivemos a era da cozinha midiática. E qualquer pessoa, de qualquer gênero ou idade, pode ganhar projeção aí.
Foi quando eu buscava no Google alguma receita específica que comecei a dar por conta desses vídeos. Aí o famigerado algoritmo entendeu que sou fã de gastronomia e passou a me bombardear com novos e incessantes apresentadores. Fui prestando atenção, fosse no exibicionismo do chef de ocasião, na tosquice do ambiente, nos clichês imitados de cozinheiros famosos, na falta de edição – que nos obriga a ver o corte interminável de todos os ingredientes – e também na sincera e generosa partilha de saberes. E adoro ver as caras e os sotaques do Brasil nesses vídeos. Sim, isso é cultura, é claro.
O problema, como tudo na veloz e voraz internet, é a vulgarização desse modelo de mídia. O que seria uma vitrine para o cozinheiro vira somente mais uma janelinha entre milhões de outras. Daí o desespero de alguns apelos como os do começo desse texto. A chamada dos vídeos promete entregar pela primeira vez algum segredo da gastronomia. Ou talvez o desejo de monetizar os vídeos pela quantidade de acessos obrigue o candidato a influencer gastronômico a implorar pelo nosso like. Não basta ser bom cozinheiro, tem que tentar ser também um publicitário.
Eu me divirto horrores com tais vídeos. O Google sabe disso e não cessa de me empurrar novos pratos e chefs. Finjo indiferença, tento escapar do poder do Senhor Algoritmo, mas lá pelas tantas minha curiosidade vence. Ou vence o poder persuasivo de frases como essas: “Não frite bife antes de ver essa receita”, “Os restaurantes não querem que você saiba disso” ou “Carne assim só em restaurante de rico”. Ah, quantos recortes para estudos antropológicos esse fenômeno da cozinha caseira midiática oferece! E isso diz tanto do Brasil e de nosso tempo!