Entre muitos articulistas que tentam entender o que se passa hoje no Brasil, uma imagem é recorrente: o país está numa encruzilhada. Sim, como povo e como nação precisamos urgentemente decidir que rota seguir: se a do respeito à diversidade ou a da intolerância, se a das amplas oportunidades ou a dos privilégios, se a da democracia ou a do autoritarismo, se a da civilização ou a da barbárie. Vivemos numa daquelas cruciais quadras históricas que definem o futuro. Portanto, nada mais natural, numa visão simbólica, que o imaginário coletivo trazer à cena a figura mítica do senhor das encruzilhadas. E eis aí Exu, orixá das religiões de matriz africana que governa os caminhos e seus cruzamentos, ainda dando o que falar por ter sido tema da escola de samba Grande Rio, vencedora do Carnaval carioca.
A mitologia de Exu o aproxima de outros tradicionais deuses mensageiros, como o Hermes grego e o Mercúrio romano. São versões culturais de uma força cósmica arquetípica que favorece os movimentos e as conexões. Pela própria natureza dessa força, associada aos limiares, tais divindades são caracterizadas por uma natureza ambivalente, algo travessa ou malandra, mas sempre plena de criatividade. O Mercúrio astrológico também é assim, daí ele reger o dual signo de Gêmeos, por onde agora transita o Sol. Como já comentado aqui em outros textos, Mercúrio é um astro da maior importância no mapa do Brasil e atualmente recebe tensão do caótico Netuno. Assim, sob um denso nevoeiro de mentiras e manipulações, a criar um ambiente de desorientação extrema, é quando mais precisamos evocar a face luminosa do patrono dos caminhos e das mudanças.
A inédita louvação a Exu pela vitoriosa Grande Rio transcendeu os requisitos técnicos e artísticos que norteiam a disputa carnavalesca. Foi uma aula de antropologia a revelar com encanto e beleza aspectos negados da alma brasileira. Foi um libelo contra a perigosa intolerância religiosa que hoje ameaça as religiões afro-brasileiras. O desfile mostrou que Exu nada tem a ver com o diabo e o mal cristãos, como ainda nos faz crer a hegemonia cultural branca em nossa história. O que vimos na avenida foi a potência erótica e criadora de um povo que, apesar de relegado às margens, insiste em ser feliz. Exu mostrou-se como resistência, como amoroso impulso de vida – e pode haver caminho melhor e mais saudável em tempos de culto à morte?
Antes até do desfile carnavalesco no Rio, eu já tinha sido tocado pela potência simbólica de um outro Exu, no desfile cênico da Festa da Uva de Caxias do Sul. O multiartista Pepe Pessoa interpretou com graça e grandeza o orixá mensageiro, chamado de Bará na Umbanda. Como convém, ele saiu à frente de um cortejo de orixás, abrindo caminhos, saudando o povo, espalhando o axé da alegria e reafirmando a força dessa cultura numa cidade de incontáveis terreiros e no estado mais umbandista do Brasil. Achei lindo e auspicioso. Agora, conectando os dois desfiles, o de Caxias e o do Rio, percebo que ambas as cidades são unidas por Gêmeos,associado a Mercúrio/Exu/Bará: Gêmeos é o signo de Caxias e o ascendente do Rio. E é o signo da Lua do Brasil!
Então, nessa encruzilhada em que estamos, quero apostar na dinâmica arte de Exu – que é a própria arte de ser brasileiro – de apontar o caminho que nos liberte das trevas da ignorância. Quero sentir o orgulho de pertencer a um país que acolhe seu povo e que celebra com amor e tolerância a diversidade colorida da vida. Por isso, saúdo em iorubá: Laroye, Exu!