Se há algo crucial no futuro, é um pacto pela sobrevivência da humanidade. A 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em Belém (PA), não é só a COP do Brasil, mas a que vai determinar os próximos 10 anos, avalia Maria Netto, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), organização filantrópica que apoia projetos para enfrentar a mudança do clima. Em novembro de 2025, afirma, os países devem apresentar meta conjunta para redução de emissão de gases do efeito estufa até 2035. Entre os desafios, estão o legado negativo da COP29, com desconfiança entre países e o temor de que o presidente eleito nos Estados Unidos, Donald Trump, volte a abandonar o Acordo de Paris.
A meta de US$ 300 bilhões anuais para financiamento climático, definida na COP29, foi considerada insuficiente. O Brasil será pressionado para, na COP30, obter valor mais efetivo?
Não é só sobre quantidade de dinheiro, mas também sobre qualidade e de onde vem esse recurso. Só para ficar claro que a negociação de finanças do clima envolve a responsabilidade de países desenvolvidos frente a países em desenvolvimento. A gente sabe que os investimentos do clima são da ordem de trilhões, mas dentro da convenção, a ideia era de que parte desses recursos de trilhões deva ser aportada por financiamento público de países mais desenvolvidos, que emitiram mais ao longo do tempo, para os que estão em via de desenvolvimento, especialmente os mais vulneráveis. E parte do problema desses US$ 300 bilhões é que a origem é muito vaga. Não está claro se são privados, públicos, comerciais, ou concessionais. O problema que fica como legado para o Brasil não é só buscar outra meta, porque já está estabelecida, inclusive de chegar em 2030, para verificar o avanço do esforço global para fazer US$ 1,3 trilhão.
Qual será o maior desafio?
O problema que fica para o Brasil é que há desconfiança entre países, porque essa meta adotada na COP29 não é muito inclusiva. Países insulares saíram da sala; a Índia, no final da negociação, fez declaração contra o acordo. O problema para o Brasil é restabelecer confiança entre os países, porque a COP29 termina com um acordo aquém do que se esperava e com países muito insatisfeitos, com a percepção de que não é um acordo balanceado.
Existe a possibilidade de que Donald Trump volte a abandonar o Acordo de Paris. Qual o risco de a proposta não ser efetiva sem a participação dos Estados Unidos?
É de se esperar que os EUA, se ficarem, tenham posicionamento radical, e é muito provável que não fiquem. Então, é preciso pensar no acordo sem os EUA. Claro, tem impacto importante, porque é a maior economia do mundo, mas, ao mesmo tempo, tem potencial de avançarmos de forma independente dos norte-americanos. Para o Brasil, o grande desafio vai ser, se os EUA saírem, conseguir que outros países, como China e europeus, que são grandes emissores, assumam compromisso com o avanço da convenção. Não seria a primeira vez que os EUA saem. Quando aprovado o Protocolo de Kyoto (primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa), o (à época presidente dos Estados Unidos, George W.) Bush saiu. Do Acordo de Paris, Trump também saiu. Então, não será a primeira vez que a convenção e as negociações continuam sem os americanos.
Mas enfraquece bastante, não?
O problema é que, no ano que vem, não é só a COP do Brasil, é a COP dos próximos 10 anos. Não ter os EUA olhando para o futuro do mundo e para a agenda do clima é um problema. É importante ter um acordo global. Na COP30, o Brasil vai enfrentar, como agente de diplomacia para poder levar todo mundo junto, um dos momentos mais complicados da história moderna. Estamos falando de um momento de geopolítica muito complicado comparado há 10 anos, no Acordo de Paris. A boa notícia é que hoje os países entendem melhor quanto a mudança do clima está vinculada a modelos de desenvolvimento econômico. E quanto é importante, para estabelecer metas e compromissos, é importante ser realista e implementar. A má notícia é que, sabendo disso, muitos países são mais reticentes a promover metas altas, como fizeram na COP15, e depois não conseguir executar. Então, na próxima COP, os países deveriam, individualmente e globalmente, apresentar o que vão ser as metas e as atividades que, de forma conjunta, vão implementar nos próximos 10 anos para estabilizar o efeito estufa e reduzir as emissões a nível que não aumente mais a temperatura da Terra. E aí o pacote de financiamento ajuda. Por outro lado, ainda tem a geopolítica, que é o maior desafio para o ano que vem para o Brasil. O Brasil vai ter de assumir um papel diplomático muito importante de não ser só Brasil, de realmente trazer diferentes opiniões para a mesa e ser capaz de focar em uma meta que seja implementável para os próximos 10 anos, mas que também tenha ambição para não continuar na trajetória em que estamos. Não é uma tarefa fácil para ninguém.
Com Trump mais forte, legitimado pelo segundo mandato, existe o temor de os Estados Unidos puxarem um movimento de saída de outros países da agenda climática?
Sempre existe. O Brasil terá de dialogar de forma trilateral e bilateral, não só multilateral. É conseguir entender o que cada país tem para ganhar e como fazer. Alguns países devem continuar e até ter mais poder e potência, como o caso da China. É possível que alguns países sigam o Trump, mas não sei quão relevantes são. É óbvio que não é bom do ponto de vista do multilateralismo.
Diante das crises do multilateralismo e da geopolítica, as COPs ainda funcionam?
As COPs têm função muito específica. Ainda são relevantes, assim como promover o multilateralismo por meio da convenção. O que é importante e tem relação com a discussão do G20 deste ano e com o pacote de financiamento é o reconhecimento de que o clima não é mais só uma convenção ambiental. É um tema muito intrínseco à forma como a gente se desenvolve, o modelo que a gente quer ter de economia. O Brasil, neste ano, perdeu muito dinheiro com inundações e secas, que vão continuar a acontecer. Também é importante pensar em como a COP30 vai mostrar a ação do setor privado, de subnacionais e de outros tipos de atores importantes para poder avançar com a agenda de forma significativa. O iCS está engajado em pensar como o Brasil vai criar instrumentos financeiros, incentivos, mecanismos de precificação e políticas públicas, junto com cada um dos setores, para que as metas possam ser implementáveis. Não são só metas que um governo estabelece, são para o país mudar a forma como os investimentos ocorrem. Precisam mudar a forma como a gente estrutura o planejamento econômico do país. São necessários uma agenda muito forte de implementação e também de um pacote de incentivos de políticas públicas que permita os setores se engajarem.
Como fazer?
O Brasil tem de engajar governos, setor privado e sociedade civil, inclusive entendendo barreiras para os investimentos. Isso requer planejamento fiscal do país. O Brasil desenvolveu ferramentas que temos de ver se são implementáveis, como a taxonomia verde, em consulta pública. Temos mecanismos financeiros, apesar de pequenos, como o Fundo Clima. Temos o mercado carbono, que foi aprovado, mas há dúvidas se pode ser um incentivo real ao investimento privado. O Brasil tem potencial enorme com restauração florestal, por exemplo, em áreas degradadas, recuperação de pastagens, biocombustíveis e redução de emissões, mas precisa de políticas públicas sérias.
O que é necessário para a COP30 ter uma contribuição efetiva?
O ideal seria ter um roteiro do como serão os próximos 10 anos com mecanismo claro de escalonamento de ambição e clareza sobre as obrigações dos países. Estamos longe da meta de Paris. Temos de ser mais realista. É importante ter uma visão mais solidária. A agenda do clima é uma questão de sobrevivência. A mudança do clima não permite que certos países se desenvolvam, aumentando a pobreza. Por isso, não é a COP do Brasil, é a COP dos próximos 10 anos. É preciso ter ambição não só de governos, mas também ter pacotes de ambição do setor privado. Assim, se os EUA saírem, permite engajar o setor privado americano.
*Colaborou João Pedro Cecchini