O velho José vai completar 87 anos no próximo dia 20. A expressão bonachona no rosto largo é a de um taurino que encontrou na simplicidade a melhor tradução de si mesmo. Vejo imagens dele em vídeo, gravadas na chácara em que vive com a esposa, e tudo parece confirmar a aura de doçura e sabedoria que tantos lhe atribuem. José aparece no frondoso jardim da casa, preparando o chimarrão, enquanto os cachorros rolam a brincar. “A minha admiração pela natureza é tão grande que, no fundo, acho que é divina”, diz ele. E completa: “Sinto ternura pela vida”. Por essa típica paz sensorial taurina, quem poderia imaginar que ele já empunhou armas como guerrilheiro, levou tiros e passou 14 anos preso em condições degradantes?
Mas não há contradição entre o radical ativismo político da juventude e a atitude franciscana de agora. Ambas são posturas revolucionárias. José nasceu com o rebelde Urano destacado em Touro – e é pela repetição desse ciclo de 84 anos que insisto em refletir sobre valores materiais. Para José, tocado pela vibração uraniana de pensar mais amplamente e coletivamente a noção de valores – a mesma vibração que cedo o levou a engajar-se na luta por justiça social –, importa é viver sobriamente, de bagagem leve. “Vivo apenas com o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”, resume. Afinal, “pobres são aquelas pessoas que precisam de muito para viver”.
Embora seja ateu, esse senhor de cabelos prateados soa quase budista em sua postura tão desapegada quanto compassiva. Aliás, segundo a tradição, Buda era taurino, o que mostra que o valor maior do ser transcende as posses materiais. E aqui cabe uma longa declaração de José: “Inventamos uma montanha de consumo supérfluo, e é preciso jogar fora e viver comprando e jogando fora. E o que estamos gastando é tempo de vida. Porque quando eu compro algo, ou você, não compramos com dinheiro, compramos com o tempo de vida que tivemos de gastar para ter esse dinheiro. Mas com esta diferença: a única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta. E é miserável gastar a vida para perder liberdade”.
O velho José Mujica, também chamado de Pepe, sabe bem o que é literalmente perder a liberdade, haja visto o longo tempo em que sobreviveu em celas escuras e fétidas sob a ditadura militar no Uruguai. Mas sabe também de outras prisões associadas a nossa necessidade de dinheiro para viver: as grades da desigualdade de oportunidades, que geram dependência e miséria. Líder respeitado para além do fato de ter sido presidente do seu país, Mujica segue inspirando a construção de um mundo mais fraterno e atento ao respeito máximo pela vida em todas as suas instâncias.
Chega a ser impactante, por tão óbvia, a constatação de Mujica de que dinheiro é tempo de vida. Então, precisamos pensar em como gastamos a nossa preciosa vida. Quantas horas de
vida custa um quilo de carne? Um botijão de gás? Uma roupa? Quanta vida gastamos para vivê-la com um mínimo de dignidade? E como podemos escapar das armadilhas de um modelo econômico predatório e naturalizado por minorias gananciosas e egoístas?
Urano em Touro, por meio de seu avatares, como José Mujica, nos mostra caminhos de mudança. Para esse taurino com ascendente em Gêmeos, tudo começa pela educação: “Um povo educado tem as melhores opções na vida e é muito difícil que o engane os corruptos e mentirosos”. E sobre a política, eis a dica do velhinho do fusca azul: “Temos que escolher gente de coração grande e bolsos pequenos”.