Que babel! O clima da mítica confusão de línguas parece ter se instalado no Brasil. Mentiras, distorções e convicções cegas confrontam a racionalidade e a verdade. O resultado são desentendimentos e agressões verbais, a acirrar o transe coletivo que vivemos. E agora o Sol brilha em Gêmeos, signo da comunicação, justo quando seu regente, Mercúrio, entra em complicado movimento retrógrado. E também quando um recente eclipse no signo ativou a Lua geminiana do mapa do país. Ou seja, a babel brasileira pode piorar. Como Gêmeos rege as linguagens, vou testar aqui uma metalinguagem: falarei do próprio texto para clarear seu contexto.
Na crônica passada, publicada na versão online do Pioneiro com o título “Estará o Brasil doente de mitomania?”, relacionei as mentiras em cascata de agora a certos traços culturais do país, como o famoso jeitinho e seus dribles nas regras e convenções. Conjecturei que a naturalização das mentiras no cotidiano termina por atingir as altas esferas da vida pública, como a política. O título fazia referência à compulsão pela mentira, a mitomania. Pois ninguém duvida que a mentira no Brasil chegou às raias da patologia, vide o escárnio atual. E o texto, em tom de esperança, apostava que o céu caótico de agora poderia até ajudar a mudar esse quadro com a exposição das mentiras. Só que eu subestimei o contexto do texto.
Foi um amigo que me avisou que a crônica estava levando chumbo na página do Pioneiro no Facebook. Ué! Não imaginei que um libelo contra a mentira pudesse ter opositores! Fui olhar. A maior parte dos comentários girava em torno da comum polarização entre defensores e críticos do governo federal. Outros acusavam o jornal de esquerdista e pregavam boicote a todos os meios de comunicação. Nada de novo até aí. Espanto mesmo foi constatar que quase nenhum dos detratores havia lido o texto – exclusivo para assinantes – e que tampouco sabiam o significado de mitomania. Alguns até diziam: “Sou mitomania com orgulho”, passando vergonha sem saber. Seria hilário, se não fosse trágico.
Ok, sei que mitomania não é uma palavra muito comum, mas apostei que o subtítulo, falando da negação do real em prol de narrativas falsas, daria conta do sentido, que o texto ampliaria. Leitores contumazes conhecem esse recurso. Mas tolo fui eu, esperando leitura e razão em tempos irracionais. Ler um título – e não entendê-lo – já basta para quem só quer reafirmar as crenças pessoais. Nas bolhas da internet, sabemos, a ignorância é motivo de orgulho e elo de união de grupos pequenos mas ruidosos. E a interpretação equivocada e raivosa de um texto sequer lido mostrou o tamanho da estupidez que nos ronda. Não é de hoje, as redes sociais,
em sua pior expressão, vêm revelando a mistura perigosa de educação precária com ressentimento e autoritarismo.
Nesse contexto, chego a esse texto lembrando a óbvia importância de temas geminianos como educação e comunicação para a cidadania. Pregar o fim dos meios de comunicação por revelarem verdades inconvenientes é atestar nossa crise civilizatória. É negar a faculdade do pensamento e da reflexão que nos torna humanos. Que futuro pode haver se um povo deprecia a educação, a ciência e até a realidade? Não basta se escudar na boa intenção de querer o fim da corrupção, pelo bem da sociedade, quando as próprias atitudes já vêm corrompidas pelo egoísmo e pela ideologia cega. Reaprender a pensar evita o erro trágico, tão recorrente na história, de seguir manadas atrás de salvadores mitificados.