O pensamento e o diálogo com a moda
O designer de moda e pesquisador Renan Isoton, filho de Renato Isoton (in memoriam) e Rita de Fátima Isoton, sempre foi movido por uma mente criativa e inquieta. Nascido em Farroupilha, ele é mestrando em Administração e Pesquisador em Inovação e Competitividade na Universidade de Caxias do Sul. Graduado pela mesma instituição, Renan foi o vencedor do 36° Prêmio UCS Sultextil e realizou uma extensão acadêmica pela Universidade do Porto, em Portugal. Atualmente estuda sustentabilidade e economia circular aplicada à moda e é professor painelista no SENAI Nilo Peçanha de Caxias do Sul.
Que conexão lúdica faz com a infância? Fui uma criança do interior, então a minha infância foi de muito contato com a natureza e com os animais. Lembro de brincar em um riacho, de ajudar alimentar os animas, de correr por debaixo das parreiras. Meus amigos moravam longe, e eu os encontrava geralmente na escola, então me acostumei a brincar sozinho. Criava histórias, nas quais era o Batman e com isso improvisava uma fantasia e passava o dia me divertindo.
Se pudesse voltar à vida na pele de outra pessoa, quem seria? Gosto de estar na minha pele, se pudesse, preferiria voltar no tempo e falar comigo mesmo coisas do tipo, “confie mais em você”, “não desista”, “você merece tudo de bom que a vida tem a oferecer”. Acho que faria muita diferença hoje.
Qual a passagem mais importante da tua biografia e que título teria se fosse publicada? O início da vida acadêmica. Foi lá que me encontrei, encontrei meus pares, me senti realmente em casa. Tudo fazia sentido, a troca era muito grande. Foi na faculdade e por meio dela, que fiz grandes amigos, obtive muito estímulo e incentivo. Conheci pessoas incríveis, que amam o que fazem e isso está vivo dentro de mim, esse sentimento de fazer com paixão. O título seria: O Despertar De Um Jovem Interiorano.
Qual é a sua história com a moda, como começou e por que decidiu seguir por esse caminho? Toda a minha família é bem habilidosa nas atividades manuais. Minha mãe e minhas tias tricotam, costuram, fazem cortina, constroem coisas, mas minha ida para moda não foi por influência delas, foi dos amigos. Inicialmente minha vontade era cursar artes. Era bom no desenho, na pintura, bom conhecedor dos movimentos artísticos, curtia bienais, etc. Mas meus amigos estavam fazendo moda, e o fato de vê-los criando, planejando e escolhendo os materiais necessários pra tirar aquela ideia do papel me deixava fascinado. Era tudo muito dinâmico, envolvia pesquisa, criatividade, conhecimento técnico e isso foi o suficiente pra me fazer escolher esse estilo de vida. Hoje através do mestrado, sigo estudando a moda, mas no âmbito da sustentabilidade. O que não se refere exclusivamente a questões ambientais, mas na sustentabilidade da própria moda, para que ela continue gerando empregos, lucro e contribuindo com o desenvolvimento da região.
Quais os seus trabalhos ou projetos preferidos? São dois. O primeiro foi a minha atuação no Banco de Vestuário. Lá houve muita troca. Aprendi muito com os meus colegas, com os alunos e com os empresários. Hoje tenho orgulho de ter atuado no programa, de ter contribuído com a formação de profissionais para indústria de confecção ao mesmo tempo que pensávamos em um futuro melhor para o meio ambiente. O Banco proporciona conhecimento por meio do recondicionando de materiais que estavam em desuso, como tecidos e aviamentos. Isso é muito bonito. O segundo se refere a minha pesquisa de mestrado, mas ela está ainda em fase de construção. O que posso adiantar sobre ela, é que ela é voltada à Economia Circular em empresas de confecção daqui de Caxias.
Busca estabelecer relações no seu trabalho com outras áreas, como arquitetura e arte? Com certeza. Quanto mais se relaciona com essas áreas, mais insights se tem. A criatividade é um processo biológico nato do ser humano, ou seja, todos somos criativos, independente se é um artista, um pesquisador ou uma dona de casa pensando no cardápio do dia seguinte, o processo é o mesmo. O que se precisa é estar constantemente estimulando a criatividade com algo novo, como se permitir a desfrutar de novas experiências, conhecer gente diferente, situações novas. Para isso, se aventurar nas áreas criativas é um bom começo.
Como funciona o seu processo criativo? Sou muito atraído pela cultura boêmia. É nos bares, nas rodas de conversa onde muita coisa acontece, onde conhecemos pessoas de “outras bolhas”. O que se torna fundamental, já que para criar, para pensar em algo novo, é preciso sair do obvio. Além disso, outra coisa que faço é ler e ouvir podcast de assuntos aleatórios, ver filmes de diretores de outras nacionalidades e ouvir muita música.
O que é ter estilo? É se conhecer. Quando você se conhece, você simplesmente é o que é. Usa o que te faz se sentir bem, o te faz feliz, o que te faz se sentir bonito.
Quem são as suas referências na área? São meus amigos, que tem sua própria marca, seu negócio, que dão seu melhor no que fazem, que estão onde gostariam de estar, que seguem os seus sonhos. Essas são as minhas referências e inspiração. Gente próxima de mim, que conheço a sua caminhada e sua história.
Como lidar com bloqueios e se manter criativo? Bloqueio criativo é horrível, é como se tivesse muita coisa a dizer, mas não sabe como e nem por onde começar. É algo muito particular, cada um lida de um jeito, mas acho que tem três coisas que podem ajudar. Primeiro, tem que eliminar essa ideia que não se pode errar. De uma vez por todas devemos “normalizar o fracasso”. É aceitar a ideia que é preciso errar muito até se conseguir um bom trabalho. Segundo, produzir, produzir e produzir. É incrível como tudo vai melhorando, vai amadurecendo quanto mais se produz. Terceiro, permitir-se ao ócio. Tira um tempo, faz algo diferente, sai de cima do projeto por um período.
Qual a lição de trabalho em equipe e colaboração pode compartilhar da época em que coordenou o Banco de Vestuário? Confiança e sinergia. Para mim são fatores fundamentais pra um bom trabalho. Acho que uma das lições que tirei no Banco foi o diálogo e o planejamento. Lá a opinião de todos é muito importante, independente se é aluno, empresário ou parceiro do programa. É através de muito diálogo que conseguimos planejar ações, elaborar cursos e construir pontes.
Como enxerga a cena de moda contemporânea no Brasil? O Brasil é recheado de ótimos designers, marcas incríveis, mas infelizmente a moda ainda não é levada 100% a sério. Moda é comportamento, é expressão, é postos de trabalho, é desenvolvimento. Acredito que precisamos antes de tudo valorizar e conhecer o trabalho que é feito aqui, conhecer a nossa história e exigir dos governantes ações que tornem o nosso produto mais competitivo, comparado com o vem lá de fora. Brasil tem condições e perfil para se projetar a nível mundial como referência em moda sustentável, e em negócios sustentáveis, esse é o futuro. Esse é o nosso momento.
Na sua opinião, qual a importância da sustentabilidade nesse meio? Muito importante. Atualmente a humanidade usa o equivalente a um planeta e meio para proporcionar os recursos que usa e absorver os resíduos que gera, o que significa que a Terra leva um ano e meio para regenerar o que é usado em um ano. A indústria da moda é uma das que mais poluem e esse é o momento da virada. Investir em pesquisa, novos materiais e formas de fazer negócio é o caminho. Um assunto que vem ganhando força no meio é a Economia Circular, que ao meu ver merece ser olhada com atenção, pois pode frear a degradação do meio ambiente ao mesmo tempo que o regenera e gera novos negócios.
De que maneira considera que o cenário atual está afetando o mercado da moda, e como isso vai impactar no futuro? O mercado da moda tem sofrido muito com a pandemia. Empresas fecharam e outras tiveram que mudar radicalmente o segmento, voltando-se ao homewear por exemplo. Contudo, acredito que a insegurança e instabilidade econômica é o que mais afetou o mercado e os consumidores. As pessoas estão priorizando a alimentação, o aluguel, as contas, é uma situação de sobrevivência. Quanto ao futuro do mercado da moda, acredito que para ele voltar a crescer, primeiramente vacinação! Sem que haja controle da pandemia, não há economia que cresça. Por segundo, vejo que a atual situação está forçando a moda reavaliar toda a maneira de fazer negócio, repensando produtos e serviços, colocando a sustentabilidade como valor primordial, onde o upcycling, a revenda e a reciclagem serão o novo normal. Enquanto a pandemia não passa, o que vemos é a moda dar protagonismos a peças discretas, atemporais e artesanais. Para depois da pandemia, o que se espera é um boom de criatividade e cores, por conta de todo esse período que ficamos reclusos.
Quais conselhos daria para quem quer ingressar nessa profissão? É uma área maravilhosa e muito ampla, mas de muito, muito trabalho. Seja autêntico e acredite no que faz.
Quais são os seus planos para o futuro? Gosto de pensar em um futuro bem dinâmico e com muitas trocas. Consigo me ver lecionando em uma universidade, pesquisando, trabalhando e prestando assessoria. Gosto da ideia de contribuir com o meu setor e com o desenvolvimento dele.
O que considera que são mitos da profissão? Que é um trabalho fácil e supérfluo. As roupas estão classificadas como necessidade, assim como a comida e o abrigo. Acredito que todos se sentem bem ao usar algo que gostam, que faça se sentir melhor. Mexe com a nossa autoestima. Roupa também proteção. É proteger-se do frio, da chuva, do sol. Além de tudo isso, moda gera trabalho e desenvolvimento.
Uma qualidade: persistência.
Um defeito: autossabotagem.
Uma palavra-chave: gentileza.
Qual vai ser a primeira coisa que fará quando a pandemia passar? Reunir todo mundo e fazer uma grande confraternização.