Há dois tipos distintos de solidão: a que nos exclui dos outros e a que nos conecta profundamente conosco. Um contingente gigantesco se encaixa na primeira categoria. As grandes cidades sinalizam a existência de homens e mulheres doentes psiquicamente por serem incapazes de se vincular às demais. As redes sociais prometem estabelecer comunicação potente, mas na prática a entrega parece ser bem diferente. É o simulacro de um mundo onde a comparação tem nos tornado ressentidos. A vida real, com suas instâncias boas e ruins, acontece no espaço da interação física. Precisamos fazer a leitura de quem está ao nosso lado. Observar expressões, a modulação da voz, o olhar. Aprender a arte da escuta. Se soubéssemos dosar a permanência no campo da virtualidade, poderíamos auferir enormes benefícios. Não nutro saudades do tempo em que a posse do conhecimento e das informações exigia um exaustivo trabalho de pesquisa. Aqui vale lembrar: uma das restrições impostas pelas ditaduras é o acesso a conteúdos que possam gerar um senso crítico, colocando em xeque posturas de dominação, de autoridade dogmática. Então, bem-vinda a revolução que amplia para um maior número de pessoas o resultado das produções decorrentes da inteligência humana. Há algo de muito errado na maneira como utilizamos essas ferramentas. O desejo de conexão permeia os seres. Ficamos sabendo, a um clique, de todas as notícias do mundo; contudo, raramente examinamos a nós mesmos para nos compreender emocionalmente.
Apesar dessa proliferação de criaturas tristes, há quem ainda procure a solidão como um ato de amor a si. A arte é uma poderosa ferramenta para aprofundar esse impulso de promover o entrosamento consigo. Sempre fui um homem inclinado aos encontros. Sinto imensa alegria quando dialogo, tentando entender um pouco mais a complexidade de cada alma. Faço-o na certeza de alimentar uma certa dialética: se as companhias se tornam excessivas, prescrevo para mim um imprescindível período de introspecção. E, acreditem, ela é solar. Preciso inserir nos meus dias algumas horas para conversar apenas comigo ou com os mestres e amigos que repousam nas prateleiras da minha biblioteca. Estou longe de ser um ermitão, porém, esse isolamento conquistado me ajuda a refinar a percepção da realidade. Não é necessário abdicar de nada, basta sustentar a habilidade de visitar com frequência a nossa subjetividade. No extremo oposto, lá onde se escondem os que sofrem em silêncio, desaparece totalmente a capacidade criadora, a presença do sentido de beleza e, sobretudo, da maravilha de se aventurar rumo a um ser.
Somos convocados à tarefa de buscar o equilíbrio entre essas duas polaridades. Fechar a porta do quarto e sentir quão libertadora é a atitude de se apartar do burburinho das gentes. Aos órfãos de contatos e de abraços, sugere-se sair aos poucos de sua caverna platônica e ir em direção a esse universo intrincado e fascinante das relações. Cultive seu jardim interior, porém não deixe que ele feneça por falta de luz e calor.
O eu é também o outro.