Na ótima série Rugido, um dos episódios tem como protagonista uma mulher que vai até determinada loja para devolver o seu marido. Ela está cansada de sua passividade, da falta de intimidade e carinho. Sim, em um mundo distópico, seria possível fazer isso. Esse ato pressupõe a possibilidade de levar para casa outro representante da ala masculina. E veja, o cônjuge só poderá voltar ao mercado das substituições por preço igual ou inferior ao da aquisição anterior. E observamos um contingente enorme em liquidação. É uma ideia curiosa, surreal até, mas nos permite refletir sobre os relacionamentos por um viés inusitado. O tempo passa, o tempo voa, e cremos não haver porque persistir cuidando da pessoa que está conosco há décadas. Ela acaba fazendo parte do mobiliário. Algo meio estático. Ao custo de tanto ver, torna-se invisível. E, um erro crasso, passa-se a acreditar nem existir mais a necessidade de olhar com admiração para esse milagre de ter sido escolhido. A conquista já foi feita. Agora é seguir no piloto automático. Ora, como se a vida não exigisse de nós um aferrado investimento de ordem afetiva.
O caminho para a convivência a longo prazo pode ser múltiplo. Vinte, trinta anos juntos, é realmente desafiador. A rotina, a educação dos filhos, dificuldades de ordem financeira... a soma vai minando o espaço interno alicerçado, no início, sobre a delicadeza e a admiração. Porém, se continuarmos com o propósito de manter viva a sensação de encantamento, salvaremos esse complexo projeto a dois chamado casamento. Fácil nunca foi, mas para os dispostos pode ser uma das vivências mais admiráveis apresentadas a nós. Na história a que me referi, a esposa vai descobrindo algo essencial: é comum trocarmos seis por meia dúzia, ao iniciar mais uma parceria. O novo reluz, longe do desgaste e da convivência cotidiana. Tudo parece bem, amor para cá, amor para lá. Depois o roteiro se repete. Culpa de quem está conosco? Em absoluto. Primeiro vamos apontar o dedo acusador em direção oposta, para nós. A presumível certeza de estarem sempre aqui faz nos acomodarmos dentro de uma realidade em constante mutação.
Vamos considerar um elemento bem interessante explorado nesta ficção: o ciúme. Quando o companheiro de longa data é comprado por uma vizinha e ela passa a ser testemunha de um namoro sexualmente intenso, começa a perceber que o problema a inclui. As circunstâncias e o descaso empalidecem o que estava embrulhado em papel de presente.
Gostaria de um conselho motivacional? Lá vai: sempre aparece alguém propenso a ficar com o seu descarte. Reaprenda a rir, expressar em gestos o que permanece represado em sua mente. Trabalhe os aspectos negativos em busca de soluções. Abandonar é a opção mais fácil. Porém, perdemos a oportunidade de colocar em prática uma das mais extraordinárias experiências disponíveis aos humanos. Pense duas vezes antes de colocar à disposição um “produto” considerado falho. Talvez não o esteja avaliando corretamente.