A palavra milagre costuma vir associada a uma conotação religiosa, transcendente. Se estamos aqui, deve haver alguma razão difícil de entender racionalmente. Deus entra nesta equação como desejo e consolo. É uma maneira recorrente de se pensar a existência, só não sei se o argumento se sustenta através da lógica, senão por uma convicção pessoal. Órfãos de significado, procuramos explicações para o que está encerrado no âmbito do mistério. Recordo da contundente reflexão do astrônomo Carl Sagan: “Somos como ácaros em uma ameixa. A ameixa é este pequeno planeta que gira em torno de uma estrela insignificante, o sol. E aquela estrela está nos arredores obscuros de uma galáxia comum, a Via Láctea, contendo outros quatrocentos bilhões de outras estrelas. E esta galáxia é apenas uma de mais de cem bilhões de outras galáxias compondo o universo. E este universo é um de uma quantidade enorme, próxima ao infinito, de outros universos fechados.” É de tirar o fôlego! Porém, para além de revelar nossa pouca importância cósmica, espantamo-nos com o fato de haver vida na terra. Que combinação complexa se deu para, ao longo das eras, termos nos tornado estes seres dotados de uma inteligência desconhecida em qualquer outra parte deste vastíssimo mundo?
Nem a mente e tampouco a linguagem podem dar conta de algo tão contundente. A probabilidade de isso acontecer é quase nula. E, no entanto, cá estamos. Gerindo, bem ou mal, esse grão de areia, um “pálido ponto azul” dentro de uma dimensão incalculável. Sou invadido pela certeza de quão extraordinária é a chance que cada um tem, individualmente, de usufruir dessa dádiva. Uma constatação que deveria nos conduzir a renovada percepção do cuidado em tratar desse pó disseminado em um canto perdido do infinito: nós. Honrar o milagre de sermos autoconscientes e aptos a escrever o próprio destino. É fundamental colocar em perspectiva a raridade da espécie. E buscando proteger da melhor forma possível esta casa — tão enferma pela ação humana. Fazemos guerras e criamos sinfonias. Somos capazes de matar e sentir compaixão. Paradoxos evidenciando a grandeza e estupidez da raça. O propósito maior é o de preservar o que nos parece, enganosamente, indestrutível. Mas os recursos disponíveis são limitados. Também é o número de anos até a dissolução dos elementos vitais que compõem o corpo. Gostamos de nos imaginar providos de espírito. Talvez assim o seja, embora a resposta deva se situar para além da biologia. A questão mais relevante é nos indagarmos sobre a responsabilidade frente à perda das condições mínima para manter o sopro vital animando cada organismo.
Haverá um artífice por trás disso tudo? Conjecturamos, arriscamos hipóteses na esperança de encontrar um sentido para a curta passagem de nossa presença. Mas vale lembrar que esse ácaro é o resultado de milhões de anos no processo evolutivo.
Eu me maravilho, aliando o mais puro sentimento de humildade.