Minha amiga Marília, mulher de rara sensibilidade e delicadeza, me diz do seu encantamento com a leitura da obra de Karl Knausgard, considerado o Proust escandinavo. Através de milhares de páginas ele descreve as miudezas do dia a dia. Sua relação não é com o excepcional: ele se interessa pelo que vai se construindo entre as dobras do cotidiano - ações e acontecimentos prosaicos, geralmente ignorados por nós. Essa habilidade de refletir sobre o supostamente banal é, inequivocamente, um ato com viés filosófico. Afinal, ali cabe a vida inteira. O deslumbre discreto do infinitamente pequeno, revelado pela possibilidade de se apaixonar por tudo o que faz parte da realidade mais imediata, sem esperar ser rasgada pelo excepcional. Mas na esfera do pensamento costumamos, com certo descaso, chamar isso de rotina. É nela, no entanto, que acomodamos todas as expectativas, dores e alegrias. Sonhar com o distante, nutrindo um imaginário de realizações inalcançáveis, é um projeto destinado ao fracasso.
Quando estou em casa contemplando a beleza do jardim, sempre tento reinaugurar o meu olhar, como se estivesse vendo tanta exuberância de cores e formas pela primeira vez. Faço isso em meus relacionamentos também. Abraçar o amigo e sentir a surpresa de um contato epidérmico e afetivo, acariciando através das palavras esse milagre que é partilhar a expectativa de estar com o outro. E faço o esforço mental de continuar em busca das “posses” sentimentais, dando-lhes o verniz das coisas recém descobertas. E, à maneira de Fernando Pessoa, sinto saudades do momento já ao vivê-lo. É uma tarefa de toda a existência. Mirar os seres e os objetos como se já estivessem se despedindo de nós. Acredite, está longe de ser aflitivo. A mim, se apresenta impregnado de sabedoria. Afasto a ideia de aguardar por datas especiais para fazer um bom prato, expressar o quanto quero bem a alguém, manifestar admiração. Tudo parece fazer parte de uma grande festa sem previsão para terminar. Colho os minutos expandindo a consciência, sabendo ser um tempo irrecuperável.
Amplio minha gratidão por reverberar em mim a capacidade de simplesmente sentir, esse dom inesgotável tantas vezes desvalorizado por nós. A alma seria indigente se não se provesse de arte, de encontros. Ao contrário do relato de tantos, o tempo pode potencializar o exercício de amar quem está ao nosso lado. Prossigo me apaixonando a cada dia. Talvez a maturidade seja exatamente isso: a aptidão de descobrir os alimentos para a alma, sem precisar recorrer às novidades dessa época repleta de estímulos.
Troque o complexo pelo simples. A riqueza pode estar ao seu dispor agora mesmo. Preencho as horas de espanto poético diante das maravilhas do mundo. Elas estão aqui, ao meu lado. Encurto os desejos, acolhendo o que me é oferecido.