Algumas palavras, pelo desgaste da repetição, acabam esvaziadas do próprio valor. Cada época elege as suas e as transforma em mantra, como se sempre tivessem estado em nosso imaginário. A beleza inerente empalidece e só percebemos de maneira tênue a potência embutida nelas. O exemplo máximo é o vocábulo “amor”. Casais o proferem com tal frequência que redunda em apatia. Todo final de frase coroado com vários pontos de exclamação. E, muitas vezes, querendo inserir alguma ironia em desentendimentos ligeiros, tornam-se cientes também da eficácia (negativa) nas relações anestesiadas pelo tempo. Engendram isso no piloto automático, esquecendo que ela vem embrulhada pelo sagrado. Somos seres regidos pela linguagem, mas comumente roubamos o seu vigor ao banalizar o significado profundo na emissão de uma frase, um discurso, um diálogo cotidiano.
Dentro dessa perspectiva, lembro: “gratidão” passou a estar presente não só no cardápio dos muito religiosos e espiritualizados, ela também tem lugar de destaque em múltiplas circunstâncias vividas. Claro, quando há civilidade e educação, pressupostos básicos em qualquer contato entre pessoas desejosas de priorizar a gentileza e o respeito pelo outro. Nesse aspecto, torço para ela dominar abundantemente as conversas. No entanto, permito-me uma observação para ampliar o sentido dessa reflexão. Costumamos reforçar a sua presença ao perceber algo de extraordinário acontecendo, como se fosse uma benção divina, extrapolando o merecido até. Se antes era inconsciência, passa a ser uma surpresa, acordando-nos para o que realmente importa. Necessitamos de algo bombástico, de “quase” tragédias, “quase” fatalidades. Creio ser infinitamente melhor nos darmos conta, como disse o poeta Manuel Bandeira, de que tudo é um milagre. Sem nos apequenarmos, tornando imprescindível a perda de algo para torná-lo grande.
Sou um ser inclinado à alegria. Já acordo acreditando ter à minha frente um dia bom, produtivo, feliz. E, se esse horizonte sofre algum impacto negativo por conjunturas além do meu controle, recordo: moro numa casa confortável, em meio à natureza, estou cercado de amigos, adoro meu trabalho, leio, vejo filmes, brinco com meus cães. A lista é bem maior, poderia ocupar bem umas duas páginas, mas já é suficiente para me dar conta de quão afortunado sou. E aí meus olhos brilham e só me resta agradecer. Não precisa acontecer nada excepcional, simplesmente a vida seguindo o seu curso. Sem interrupção, fratura ou desconforto. Por estar com os olhos abertos e atentos, dou-me conta, como fazia Alice em seu fantástico país: os mais belos mistérios são revelados longe do assombro. Chegam mansamente, distraídos. E assim, o que era invisível, torna-se do tamanho do sol.