Nunca sonhei ser muito rico, bonito ou inteligente. Há um preço alto a se pagar quando nos encontramos em algum extremo. Claro, essas condições são acompanhadas de vantagens, mas perdemos a noção do que leva as pessoas a se aproximarem de nós: mérito pessoal? Interesse alheio? Bom mesmo é ser agraciado com um pouco de cada e ir usufruindo, ao longo da vida, dos presentes resultantes da competência, genética, quiçá do esforço. Quando não da sorte. Além disso, a possibilidade de perder o que nos distingue em demasia dos outros comumente redunda em pesadelo. E o tempo costuma aplainar tudo, tornando sépia o outrora reluzente. Proliferam exemplos de seres ávidos de alterar a geografia da natureza humana, apelando para recursos propensos a nos transformar em verdadeiros aleijões, no corpo e na alma. Compram bens ou companhia, atraindo seus pares com brilho e ouro, como se fosse bom angariar afeto a esse custo. Em outras palavras: ficar na média é uma benção, desabilitando-nos para a inveja e o assombro, afastados de nos comparar aos supostamente mais aquinhoados.
Agora, se pudesse compor os meus dias a partir de uma decisão pessoal, esquecendo que acaso e destino são senhores reinando à revelia, escolheria simplesmente abraçar a paz. Simplesmente? Qual, esse parece ser um ideal pertencente mais ao mundo dos deuses, acima dos mortais. O excesso de tarefas e compromissos nos distancia cada vez mais desse admirável estado. Talvez inexista um modelo a copiar, somente a observação atenta de pequenos exemplos, desviando-nos do torvelinho em que tantas vezes mergulhamos. Proteger-se das paixões avassaladoras e afastar-se da compulsão das posses ajuda sobremodo. Contentar-se não com a apatia, mas com um roteiro calcado no prazer de sorver as benesses cotidianas. Pode-se incluir, também, um pouco de vaidade e ambição, na exata medida que nos permita manter a razão no comando.
Como no belo poema de Elisabeth Bishop, acostumemo-nos desde cedo à arte de perder. E quando os tesouros forem modestos, menor deverá ser a sensação de alijamento do essencial. A beleza está mais no correto desfrute da realidade do que na fortuna – esta, um renovado empréstimo. Mansidão e serenidade são excelentes divisas para quem almeja ser um filósofo da ação, um buscador da sabedoria em meio ao universo de quinquilharias reluzindo enganosamente. Não nos deixemos seduzir pelo volátil. Quando acomodamos nossos desejos é mais fácil domá-los, sem sermos conduzidos pela parelha de cavalos obedientes chamados de impulso. Devagar, mastigando em bocados miúdos o que nos foi entregue no nascimento ou conquistado laboriosamente. No mais, somos o rio de Heráclito, sempre o mesmo, sempre novo. Basta nele navegar.