O que faz uma crônica sobre o Dia do Amigo em uma coluna de política? Como diz o vereador Renato Oliveira, do PCdoB, em uma definição preciosa, “lugar de política é onde há duas pessoas”. E crônicas são respiros necessários. Sejamos concessivos. Vamos lá. Era uma vez um jovem universitário, “cheio de sonhos, de sangue e de América do Sul”. Respirava-se Belchior ao redor de amigos. Muitos amigos, dezenas deles, amigos de fé, de sonhos, de confidências. Pois não sobrou nenhum pra contar a história. Nenhum. Certamente fui negligente em cuidar de tesouros, invasivo na convivência, pouco relevante talvez, a ponto de ter sido deixado pelo caminho. Mas não só eu. Outros têm mais sorte.
O mundo, ah, o mundo, nos leva pra cá e pra lá. Foi nos levando, foi nos distanciando dos amigos daqueles luminosos Anos 80. “Deixa a vida me levar, vida leva eu.” Não foi uma boa receita. Não devemos deixar a vida nos levar assim, na passividade. Belchior saiu e entrou o pagode Anos 90 – um sintoma que fala por si. E os amigos, aqueles de fé, de sonhos, de confidências, foram se tornando escassos, ficando pelo caminho. Não sobrou nenhum. “Aquele amigo que embarcou comigo cheio de esperança e fé já se mandou.” Belchior sempre foi cortante. Desnorteante, diria.
Hoje não sei mais onde eles estão. Até sei alguns poucos, mas perdi completamente o contato. Outros, perdi o rastro por completo, mesmo em tempo de redes sociais e de WhatsApp. É triste, um vazio dilacerante. Quase todos que ficaram para trás estão inacessíveis, inalcançáveis. Não têm mais tempo. Eu também não tenho. Não sou o santo da história. Falta tempo para “revisitar amizades” – esse verbo que não havia nos Anos 80. Revisitar não significa nada, bom mesmo é reencontrar.
Quando digo “não restou nenhum”, não é força de expressão. É literal. Das dezenas de amigos do peito, não restou nenhum por perto porque a vida nos separou, nos distanciou, nos levou por caminhos próprios, ainda assim sempre instigantes e cheios de descobertas. O ruim dessa história: os vínculos que se imaginava indesmancháveis soltaram-se como areia na praia. Há quem tenha mais sorte, de ter pelo menos algum de seus amigos de antes por perto. Não foi meu caso. Não sei mais de nenhum. É cruel. Há uma música que tem tocado na tevê e no rádio nesse tempo de reconstrução do Estado. Cidadão Quem canta Humberto Gessinger e Duca Leindecker: “Pelo espelho a vida vai passar.” Se assim é, os amigos de antes quase não vejo mais no espelho, são pontos minúsculos lá atrás, bem atrás, no reflexo do espelho. A vida, sim, passa pelo espelho.
Se faltam aqueles, há outras pessoas que chegaram com o passar dos anos. Não deveriam ser excludentes, porém. Amigos são os que estão perto de nós e se importam com a gente. Aprendi isso. Valorize estes. Os que ficaram no tempo, é uma pena. Valorize os amigos e quem está por perto, hoje e sempre.
“Lembre que hoje vai ter pôr do sol. Não desista de quem desistiu.”