Uma Copa do Mundo é uma demonstração de força do futebol. Tem força econômica, está claro, esse esporte que proporciona negócios bilionários, mas também tem força popular. Há quem não goste da modalidade, e devem ser respeitados. O futebol, no caso o masculino, é entendido por alguns como um esporte tosco, em que 22 marmanjos correm atrás de uma bola, e tão apenas isso. Ambiente onde proliferam casos de violência, corrupção, racismo, homofobia, machismo e outras barbaridades. E tem isso mesmo, e não são poucas as vezes em que ocorrem. Afinal, os estádios e ambientes daí derivados e similares são um pedaço da realidade, um extrato, uma fatia, e discriminações da pior espécie estão disseminadas por toda a realidade. Não existe ambiente nem segmento a salvo. Há pedofilia entre religiosos, por exemplo. Outra queixa é que o futebol se presta a discussões sem fim, inúteis, que não levam a lugar nenhum. Há que se cuidar disso, de fato, com esses excessos. A vida segue, e o futebol é só uma parte dela.
Quem não liga para o futebol, porém, não terá a experiência de vivenciar a descarga de emoção que é ver seu time fazer um gol no minuto final e vencer uma partida. É inexplicável. Como aquele gol surpreendente da Holanda contra a Argentina, em jogada ensaiada, gol que depois se viu, não serviu para nada. Gol no último minuto é emoção concentrada, é pico de emoção, é extravasar uma emoção incontida. Ressalte-se o caráter democrático dessa emoção, pois há pessoas que têm menos direito a elas, uma vez que emoções também se relacionam a um maior ou menor poder aquisitivo. No futebol, basta torcer para um time para ter o direito a vivenciar emoções. E essas emoções, para a incompreensão de quem não tem familiaridade com o futebol, são de "lavar a alma". Futebol permite viradas, como a vida também permite. E, como na vida, se ganha e se perde, há emoções doídas e emoções fulgurantes. Futebol emociona. E uma Copa do Mundo é o ponto culminante das emoções do futebol, como foi pródiga essa etapa de quartas-de-final no Catar, com o choro de Neymar, o choro de Cristiano Ronaldo, o mundo de Harry Kane, da Inglaterra, que desabou no pênalti perdido, a emoção coletiva que arrebatou a população de Marrocos. É, a Copa mobiliza populações mundo afora, que estão ligadas neste esporte tosco em que 22 marmanjos correm atrás de uma bola.
Como pode? Há algo de extraordinário aí. Uma Copa do Mundo é mágica, e um dos segredos é realizar-se apenas de quatro em quatro anos. Por ser o ponto culminante das emoções do futebol, a carga de intensidade, entrega e dramaticidade da competição esportiva propriamente dita também se multiplica. São 14 Copas que já testemunhei, e uma coleção de momentos mágicos. Na de 70, por exemplo, na partida semifinal, naquele que se convencionou ter sido o "jogo do século" daquele século, Franz Beckenbauer, o Kaiser, maior jogador da Alemanha, jogou com o ombro enfaixado e fora do lugar na vitória da Itália sobre a Alemanha por 4 a 3. E ainda tem o espetáculo e o show de criatividade das torcidas, com suas performances visuais e flagrantes de pura emoção, que alcança desde as crianças até os marmanjos e cada vez mais mulheres, que não escapam ao choro e à alegria. Como pode o futebol, esse jogo tosco, proporcionar tudo isso? Pois pode. Com a palavra, os especialistas no comportamento humano e nos fenômenos sociais.
Daqui a pouco, começará a contagem regressiva, a espera para a Copa de 2026, que será na América do Norte – nos Estados Unidos, no México e no Canadá. A razão é simples: uma Copa Mundo oferece momentos mágicos.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.