Está certo que, em muitos momentos, foi como um bate-boca de boteco. E isso é bastante ruim. Afinal, era um debate entre presidenciáveis. Se espera que os candidatos disponham de estrutura pessoal e inteligência emocional a ponto de absorver as caneladas e bordoadas, consigam administrar as provocações e ainda imprimir utilidade ao debate, abordando assuntos que impactam a vida real, o dia a dia dos brasileiros, sendo capazes de propor soluções e ainda por cima indicar “de onde vai sair o dinheiro”. Essa é uma leitura idealizada. Mas estamos na vida real, e os candidatos também são pessoas como as outras, com seus estilos e temperamentos, em um momento altamente sensível e inflamável, submetidos a provocações e interrupções, uns mais, outros menos, e tendo de lidar com o tema explosivo das acusações de corrupção, situação em que cada um vai querer se defender.
Não é possível esperar um debate asséptico, frio e essencialmente racional. Não tenhamos essa ilusão. E façamos essa concessão, em nome de uma análise abrangente, capaz de superar a armadilha de depreciar a atividade política porque houve algum bate-boca. É tudo do que não precisamos, porque só existe uma caminho para a solução dos problemas nacionais: pela via política. Ainda assim, deve ser meta dos candidatos driblar as armadilhas e cascas de banana, tentar discutir o país, sendo propositivos, e evitar baixar o nível. Quem consegue, ganha pontos.
O debate, em alguns momentos, foi mesmo bate-boca de boteco, em outros teve algum debate útil, em outros, falou mais alto a estratégia eleitoral. Como assim é a vida real. E teve como peculiaridade central a presença da inusitada figura de Padre Kelmon, linha auxiliar direta do candidato Jair Bolsonaro para fazer tabelinhas, que entrou no debate amparado pela legislação eleitoral, tendo assumido a candidatura do PTB à Presidência depois que o nome de Roberto Jefferson foi indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Padre Kelmon funcionou como um obstáculo ao debate possível, pintou e bordou, foi advertido pelo mediador porque falava quando não tinha a vez. Sua função foi desestabilizar. Esse é o contexto ampliado do último debate entre os presidenciáveis, que gerou, sim, impactos na reta final da corrida sucessória, mas que talvez não produzam alteração de rumo. Saberemos neste domingo.
No detalhe, as participações de cada um
* Em determinado momento, ao ler uma pergunta para o candidato Felipe D’Avila (Novo) sobre o programa habitacional Casa Verde e Amarela, Padre Kelmon (PTB) se traiu. Disse “nós queremos”, como se fosse integrante do governo, ao projetar novas ações para o programa habitacional.
* D’Avila, aliás, foi “linha auxiliar” secundária para Jair Bolsonaro (PL). Por duas vezes, o presidente optou por debater com D’Avila, bem mais dócil do que outros candidatos, e Padre Kelmon repetiu a escolha (na foto inferior, à esquerda, os três candidatos). Mesmo diante do tema sorteado “relação com o Congresso” para uma pergunta de Bolsonaro, que puxa à tona o centrão e o orçamento secreto, D’Avila foi de uma timidez que chamou atenção.
* O candidato Bolsonaro partiu para o enfrentamento com o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que gerou a sucessão de pedidos de resposta, com trocas de acusações recíprocas em torno do tema corrupção. Nada produtivo para o debate, mas foi uma estratégia eleitoral de Bolsonaro, de desestabilizar o oponente, produzindo algum resultado, pois o objetivo foi atingido. Porém, logo na sequência, ele abandonou a estratégia.
* Já Padre Kelmon atuou para desestabilizar Lula. E conseguiu. O petista entrou no bate-boca. Na campanha petista, houve a avaliação de que a resposta era necessária diante do teor das acusações. Ao mesmo tempo, no entanto, entrar no bate-boca só produz desgaste, e Lula pisou na casca de banana.
* A candidata Soraia Tronicke (União Brasil) tem sido mestra em cunhar expressões e frases de impacto. No debate anterior, deu ao candidato Bolsonaro a célebre sugestão de “não cutucar a onça com sua vara curta”. No debate de quinta, passou a chamar Padre Kelmon de “candidato padre” e “padre de festa junina”, e ainda formulou a impagável pergunta ao candidato: “O senhor não tem medo de ir para o inferno?”
* Simone Tebet (MDB) obteve a melhor performance. Reagiu e não admitiu ser escada para Bolsonaro na pergunta sobre o Caso Celso Daniel, não resvalou para o bate-boca e detalhou propostas. Só errou quando chamou Soraia de “candidata bolsonara”, e pediu desculpas. Sai da campanha maior do que entrou. Porém, não produzirá efeitos eleitorais em seu benefício. Pode crescer um pouco, a ponto de provocar o segundo turno.
* Por fim, Ciro Gomes (PDT) surpreendeu, sendo mais contido do que seu normal. No início, recebeu de Lula uma boa resposta e não foi tão feroz nas investidas contra o petista como costuma ser. Ao contrário, mais para o final do debate, travou discussões civilizadas, respeitosas e quase amistosas com o petista, reconhecendo participação no Governo Lula. “Eu lhe ajudei”, disse Ciro.