A cidade perdeu Dona Idiati esta semana. A defensora dos pombos. É uma perda importante, pois Dona Idiati estava entranhada no cotidiano da cidade. Era conhecida no centro, bem vista por muitos, mal vista por outros.
Uma cidade onde uma octogenária se dispunha a sair de sua zona de conforto diariamente, não importava o tempo, ombreando baldes pesados, para alimentar aves reforça a crença na vida. À parte todas as demais questões que envolvem debates polêmicos, se técnica e ambientalmente faz bem distribuir milho aos pombos, as cenas da octogenária em ação, perenizadas em fotos que circulam nos meios de comunicação e redes sociais, elas são tocantes. Reforçam o tão necessário cuidado com os seres vivos. Assim como são tocantes outras imagens desta semana, dos pombos na calçada à espera de Dona Idiati, que não virá mais.
Dona Idiati, sem querer, pois só imaginava fazer o bem às aves, embalou uma grande polêmica na cidade, em torno do impacto sanitário causado por uma suposta superpopulação de pombos. Ganhou, inclusive, uma lei só para ela, ou por causa dela. Dona Idiati despertou amor e, se não exatamente ódio, pelo menos uma má vontade em relação às aves. Existe a abordagem sanitária, o impacto que uma superpopulação excessiva pode produzir à saúde pública. Não se pode fechar os olhos a essa questão. Mas o debate não está pacificado, nem de longe. Primeiro, será preciso dimensionar superpopulação. Depois, há os que argumentam que a sujeira dos pombos cause doenças. Aliás, a sujeira de qualquer ser vivo causa. E haverá estudos para todos os gostos, confirmando que os pombos causam doenças terríveis, e outros que não é nada disso. Em minha cidade natal, os pombos perambulam nos parapeitos das janelas dos quartos do principal hospital de lá, sem serem molestados. Aparentemente, não há consenso científico.
Enquanto isso, há os que lembram que as aves produzem encantamento urbano, o que é confirmado pelo interesse de crianças por elas, que uma cidade fica mais triste sem pombos. E fica mesmo. Vida não é vida sem poesia. Faço parte deste time, sem fechar os olhos a evidências que a ciência vier a apresentar.
Já Dona Idiati passava distante desse debate na hora de alimentar os pombos. Só queria fazer o bem às aves. Ao seu jeito, deixou uma lição de vida. Vai fazer falta à cidade.