Tarcísio Meira provavelmente seja a face mais visível e conhecida entre as perdas da covid. Um ícone nacional por sua trajetória artística e pelas novelas da tevê. Tarcísio é uma entre as quase 570 mil perdas decorrentes da covid-19. Nos diversos setores de atividades, regiões geográficas e famílias, próximo de cada um de nós, há vidas perdidas. Para mencionar outra perda em outro setor, o filósofo Roberto Romano também se foi mais cedo do que devia, em julho, por causa da covid. Ele iluminava com sua reflexão a realidade nacional. E assim fomos perdendo uma vida depois da outra. Cada um de nós terá uma dor para relatar. São milhares. As perdas são dores que fazem parte, mas que foram antecipadas. Não precisavam ser.
Há uma série de discussões já vencidas, agora que a pandemia se encaminha para um relativo controle, mas do qual ainda estamos distantes, e há novas cepas por aí. Não será o caso de retomar essas discussões porque, além de vencidas, não produzem efeito em termos de vidas poupadas. O país escolheu esse caminho, seguir assim perdendo vidas, a escolha está feita. Foi para o estouro desde o início, na imagem imortalizada por um vereador caxiense. A essa altura, ninguém identifica mais, na gestão da pandemia pelos governos, qualquer resquício de proteção à vida. Importante registrar para a posteridade, ainda, que nossa ânsia por fazer a vida seguir em frente dentro de padrões de uma normalidade sem sustentação na realidade levou-nos a repelir até mesmo homenagens às vidas perdidas, como no episódio das cruzes de Caravaggio.
Nesse roteiro de perdas, há aquelas mais retumbantes e milhares de perdas anônimas, mas que geram ausência, dor, tristeza. As perdas da covid ainda convivem com outras perdas, por outras causas, que também precisam ser reverenciadas. Esta semana houve uma delas, que saiu no canto do jornal, e colocou desfecho a uma trajetória que começara há 29 anos em Erechim e certamente foi embalada por alguns sonhos e perspectivas. Mas que derivou por outros caminhos e desembocou dentro de um contêiner de lixo orgânico em Caxias, provavelmente sendo compactada e depositada no aterro sanitário. A cena é triste: a vida no lixo. Certamente foi uma vida que tropeçou ao longo do caminho em alguma indiferença. Nosso modelo de vida adquiriu tamanha velocidade e gana pela sobrevivência que negligenciamos de diversas formas no cuidado às pessoas. Só queremos seguir em frente, e deixamos as vidas pelo caminho, até dentro de contêineres. Entramos no embalo sem pensar no amanhã. Onde pretendemos chegar desse jeito?