A combinação das mortes de nove adolescentes e jovens pobres pisoteados no pancadão de Paraisópolis com os ataques de racismo e preconceito de que foi alvo a atriz Cacau Protásio em um quartel dos bombeiros no Rio de Janeiro reaviva fortemente a descrença em nossas possibilidades. Que tempos! Temos algum futuro? Nosso presente não para em pé. As relações que compõem nosso tempo, ou boa parte delas, são grosseiras, inviáveis, desrespeitosas. É isso o que somos? É esse o nosso retrato? São dias em que as perspectivas humanitárias ficam perdidas, dispersas, sem força e organização, e o que desponta como efeito resultante e demolidor é a imbecilidade e a incapacidade de considerar o outro, em especial alguns outros, como ser humano que é. E é isso o que todos somos: seres humanos, pessoas, gente.
O pancadão de Paraisópolis é um retrato de nosso país: operação policial desastrada, normalmente destinada a comunidades pobres, fabricada pelo ambiente de agressividade e intolerância que todos nós fizemos, por ação ou omissão, retrato da falta de prioridade à educação; comunidade esquecida pelo Estado; falta de opções culturais para jovens e adolescentes, a quem restam os pancadões como diversão, ambiente por onde se insinua o crime; desigualdade de oportunidades; vergonhosa distribuição de renda, traduzida pela vizinhança de Paraisópolis com bairros e condomínios chamados “nobres” dos jardins paulistas. Um muro separa os dois mundos. O cenário de Paraisópolis e o contraste da vizinhança nos definem como país, com enorme capacidade de síntese. Os ataques a Cacau Protásio oferecem uma tradução bem aproximada e aguda do ambiente de intolerância e agressividade em que estamos metidos.
Então a descrença se dá quase que por gravidade. Se impõe, mas precisa nos provocar. Temos alguma chance? Há quem lembre, num rasgo de otimismo ou senso de fidelidade à realidade, que as más notícias são as que transparecem. As boas iniciativas e os bons procedimentos acabam cedendo lugar ao mau jeito. É verdade. Há os êxitos coletivos, o avanço do conhecimento, os que praticam as boas ações e a solidariedade longe dos holofotes, e não são poucos. É um consolo, há um exército, sim, mas que precisa ser mais combativo e organizado. No entanto, assim como há os bons silenciosos, existem os anônimos que reforçam um cotidiano de barbaridades e preconceitos. Também são numerosos, e parecem estar ganhando o jogo.
É preciso eliminar espaço ao preconceito, à barbaridade, à mediocridade. Reconciliar corações e mentes com o respeito ao outro, todos os outros. Mudar esse retrato de nossos dias lamentáveis. Exige escolhas e postura de cada um. E tem de começar pela prioridade à educação.