Tenho muitos amigos que andam desesperados com certas medidas do governo federal, principalmente na área econômica e fiscal. Outros, com toda razão, estão preocupados com certas aproximações do governo atual com estados autoritários e grupos terroristas, sequer disfarçando seu apreço por certos regimes e ideologias que pregam o total oposto do que se espera de um mundo civilizado.
Eu mantenho minha tranquilidade. Essa mesma turma que hoje nos governa não é exatamente homogênea: há os moderados — que negociam, ouvem, debatem sem perder a civilidade nem o trem da história —, há os mais radicais — que insistem em esticar a corda até arrebentar —, e também há a turma da desfaçatez: fica testando a opinião pública e a reação da grande maioria silenciosa para ver até onde pode ir com seus joguinhos ideológicos e ânsia pelo poder.
Eu não consigo levar a sério os dois últimos grupos, porque são exatamente essas mesmíssimas pessoas que há 30 anos disseram que o Plano Real não daria certo. São os mesmos que lutaram até o último instante contra aquela que foi a maior troca de moeda da história e um dos planos econômicos mais bem-sucedidos para o controle da hiperinflação no mundo. Eu estava lá, tinha 18 anos, recém estava começando a faculdade de Jornalismo e lembro perfeitamente dos meus colegas de “esquerda DCE” fazendo protesto contra o então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e o presidente Itamar Franco.
Depois que algo dá certo, a turma da desfaçatez não perde tempo em finalmente aceitar a realidade e deixar os delírios ideológicos de lado, até tenta pegar um naco de reconhecimento mesmo sem ter feito nada a não ser atrapalhar. O primeiro governo de Lula foi bom justamente porque Fernando Henrique Cardoso entregou um país sem inflação. Os jovens de hoje não fazem ideia do terror que é viver num mundo em que seu dinheiro é corroído por uma constante alta de preços e desvalorização da moeda e, consequentemente, do poder de compra do cidadão. Lembro de ser criança nos anos 1980 e comprar um picolé Chicabon por, digamos, 10 cruzeiros, e no dia seguinte voltar ao mercado e o mesmo picolé custar 15, depois 20, para chegar a 30 cruzeiros no fim do mês.
Porém, contra tudo e contra todos, o Plano Real foi um sucesso e completou 30 anos em 27 de fevereiro — data em que a URV (Unidade Real de Valor) foi introduzida marcando o início da transição. A URV era um índice criado para ajudar a controlar a hiperinflação servindo como uma unidade de conta estável durante o período de transição até a introdução definitiva do Real em 1º de julho de 1994. Este primeiro de julho de 2024 deveria ser celebrado. O Real é só uma prova de que podemos manter a tranquilidade mesmo diante dos maiores absurdos deste governo equivocado: a realidade sempre acaba se impondo sobre o delírio. O delírio será soterrado, abandonado, derrotado pela vida real.