Não tenho dúvidas de que o maior benefício de se viajar e conhecer outras culturas é voltar com um olhar mais apurado para fazer uma releitura da nossa própria realidade. Acho que a viagem mais transformadora da minha vida foi ter ido ao Egito no final de 2022 quando aprendi muito sobre história, geografia e, principalmente, passei a compreender melhor a religião muçulmana. Nosso guia, Ibrahim, no Cairo, numa visita à belíssima Mesquita de Muhammad Alí – também conhecida como Mesquita de Alabastro – nos deu uma aula sobre as origens e a importância do Ramadã para os povos islâmicos.
O Ramadã é o nome do nono mês do calendário islâmico. Neste ano, vai começar em 10 de março se estendendo até 9 de abril. Durante esse período, os muçulmanos realizam um jejum que se estende do nascer ao pôr do sol. É um tempo sagrado para os muçulmanos, porque se acredita que nele Maomé recebeu a revelação do Alcorão do anjo Gabriel. Quando a noite chega, os mulçumanos podem sair às ruas, fazer uma bela refeição, celebrar: tudo fica iluminado e colorido, se ouve música nas calçadas, as cidades ficam animadas. Segundo Ibrahim nos explicou, o Ramadã serve também como um período para exercer a autodisciplina, o comedimento e a reflexão por meio da prática do jejum e da oração e depois valorizar mais a vida normal.
Enquanto eu escutava a explicação do guia egípcio, refleti sobre o significado da Quaresma para nós, católicos e cristãos. Começando na Quarta-Feira de Cinzas, em que tradicionalmente não se pode comer carne vermelha em honra à Cristo, o Cordeiro de Deus, se estende até a Sexta-Feira Santa, e provavelmente, em seus primórdios, buscava isto: oferecer um momento de pausa na rotina dos fiéis, um período de reflexão por meio da abstinência de certos prazeres e caprichos.
Esses momentos de recolhimento e de privação têm pouco a ver com castigo e não servem só para honrar a Deus ou a algum líder religioso, mas são fundamentais para o autoconhecimento. Pesquisando rapidamente no Google, percebe-se que várias religiões e vários povos adotam períodos semelhantes ao Ramadã e à Quaresma, como o Jejum de Dezenove Dias da fé Bahá’í, com origens no Império Otomano, e o Paryushana, do Janismo, que dura de oito a 10 dias para os Svetambaras e 10 dias para os Digambaras. Em ambos os casos, trata-se de um tempo para estudo intensivo, oração, jejum e arrependimento.
A sabedoria dos povos antigos para orientar uma comunidade criou esses ritos não só como um tempo de conexão com o insondável, mas para que cada indivíduo pudesse pausar sua rotina e pôr à prova algumas práticas importantes para seu crescimento pessoal: paciência e disciplina (por meio do jejum), aprendizado (por meio das leituras), contemplação e reflexão (por meio da quietude da oração).
Que esta Quaresma traga a todos uma oportunidade para se conhecer melhor e crescer espiritualmente. Que possamos entender que é algo que nos aproxima de outras crenças, de outras culturas.