O fim do julgamento do plenário virtual do STF, com nove votos favoráveis ao município de Caxias do Sul, que permite que o Caso Magnabosco volte a ser discutido, foi, sem dúvida, uma grande vitória jurídica e política para a Administração. Mais do que isso, é interessante analisar o voto do ministro Dias Toffoli, e que foi seguido por oito colegas. O tom e os argumentos usados abrem margem para acreditar que há chances de que essa nova análise do caso possa ter desfecho bem diferente do que se imaginava.
Em seu voto, Toffoli inicialmente traz uma retrospectiva histórica do caso, para afirmar que os fatos são incontroversos e possuem viés nitidamente constitucional, sendo, assim, passíveis de análise pela Corte. Logo adiante vem uma questão central, e que é a base da argumentação de Toffoli para permitir uma retomada do caso. Para ele, não parece claro que o Município deva ser incluído no processo como parte responsável pela indenização. Há também a tese de que, independentemente de quem é o proprietário da área, haveria uma obrigação legal de prestar o mínimo de auxílio às pessoas que ali estavam.
“Ademais, existe a questão de saber, ante o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, se poderia o Município de Caxias do Sul responder, solidariamente e em sede de ação reivindicatória convertida em ação de indenização (segunda ação), pela indenização relativa às áreas ocupadas por diversos particulares, sendo certo que, muito antes dessa ação, o imóvel (no qual ocupações já eram verificadas) havia sido revertido aos herdeiros de Magnabosco”, escreveu o ministro.
Outra indicação de simpatia por esta tese é uma citação de Toffoli a um despacho do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anteriormente já havia analisado a questão. Naquela ocasião, Herman disse que “quando os réus receberam o imóvel, após a reversão da doação, em dezembro de 1982, fizeram-no a título de indenização pelo descumprimento de acordo firmado anteriormente. Nessa época, o terreno já estava ocupado por famílias de baixa renda, e, mesmo diante dessas circunstâncias, os particulares receberam o imóvel e deram, por escritura pública, quitação irrestrita ao Município. Reitero, aqui, a compreensão já manifestada nos autos originários de que pareceria, no mínimo, extravagante imputar culpa à Municipalidade por cumprir sua obrigação constitucional de fornecer um mínimo de bem-estar à população.”
Os argumentos de Herman Benjamim não prevaleceram no STJ, mas o uso do voto dele, amplamente favorável ao Município, indica que essas ideias possam ser aceitas no STF. Entre as implicações poderia estar uma colocação do Município como responsável por apenas uma parte da indenização, que seria referente a áreas usadas claramente como espaços públicos (ruas, por exemplo), e não a totalidade do terreno.
Na sequência do voto, Dias Toffoli fala também sobre a indenização a ser paga, citada como “o exorbitante valor a que o Município foi condenado a pagar.” Ele ressalta que a quantia, cotada em torno de R$ 1 bilhão, é cerca de um terço do orçamento geral do Município, e que essa execução teria impacto sobre áreas como educação e saúde. O ministro ainda menciona, em termos de comparação, os valores de mercado atuais apresentados pela defesa, e que “atualmente, possui um valor de mercado avaliado em R$ 87.300.000,00 (oitenta e sete milhões e trezentos mil reais). E, se considerada apenas a infraestrutura urbana, efetivamente implantada pelo Município, que é de 15.234,00 m² (...), chega-se a um valor da área de R$ 23.332.073,68.”
A penúltima frase do despacho, porém, dá o tom do que imagino seja o caminho mais provável para o caso neste momento. Após pedir que a relatora determine trâmite regular ao recurso, ele sugere “o encaminhamento para conciliação”. Ou seja, ante a disparidade entre o que já havia sido decidido antes, e o entendimento do impacto que isso pode ter para a cidade, há uma clara intenção da mais alta Corte do País, referendada pelo voto de nove ministros, de que as partes entrem em acordo.
Os argumentos apresentados por Toffoli não são um julgamento definitivo, pois foram usados apenas como justificativas para reabrir o caso. Nada impede que ele e outros ministros, fazendo uma análise mais profunda, possam decidir como as instâncias anteriores. No entanto, são uma sinalização de que um novo entendimento, levando em conta questões mais sociais e até políticas, possa estar mais presente neste novo julgamento. O Caso Magnabosco segue longe de terminar, mas há novas possibilidades no ar.