Eu também procuro uma palavra que me salve. Uma que me tire de onde me encontro, que me ajude a respirar melhor, que cure minha asma, que acalme minha ansiedade, que me faça sorrir em dias sem sol. Pode ser uma palavra adjetivo, embora não goste tanto dos adjetivos. Eles parecem sempre tão vazios e sem sentido. Gosto da palavra substantivo. Pedra, galho, flor, caderno. Palavra lápis que risca e rabisca a vida, que ajuda a (re)desenhar os desejos. Pode ser uma palavra verbo. Amar, sonhar, querer, chorar, são verbos que dão sentido. Uma palavra casa para morar e viver.
Estou farta das palavras duras, que machucam, que calam, que encerram a conversa. Há palavras que rasgam por dentro, abrem feridas difíceis de cicatrizar. Às vezes desejo uma palavra muda, destas que silenciam sem cobrar respostas, sem exigir uma conclusão. Palavra discreta que existe e deixa existir, feito oxigênio. Palavra suada que corrida chega a seu tempo. Nem antes nem depois. Sabe a hora de ser dita e se apresenta, mesmo que tenha se apressado para chegar na hora certa. Palavra exata. São poucas, a maioria se ensaia, se ensaia e erra a hora de ser falada. Nestas horas, palavra desculpa, estamos longe ser perfeitos.
Gosto de palavra limpa, que sai sem medo de ser corrigida, que preenche a boca e na sonoridade é carregada de bonitezas. Palavra rio que corre e se contém dentro da margem. Mas de vez em quando ela chega suja, cheia de raiva, lambuzada de mágoa. Vem lá do fundo. Palavra redemoinho do tempo que a gente acha que esqueceu. Palavra tem memória, demora a ir embora, na maioria das vezes guarda rancor. Aí quando vem pra fora, fere e faz estrago. Palavra seca é bile. Sai queimando e taca fogo em quem escuta.
Às vezes a palavra humilha, chega cheia de rebuscados, vocabulário, repertório. Faz distinção e submete quem não sabe o que falar. Palavra é machado. Palavra destruição. Tá na boca do pai, da mãe, do irmão, do tio, do chefe, do amor. Palavra sumiço, vontade que dá de fugir.
Sempre fui boa em português. As frases coordenadas, as subordinadas, análise sintática, conjugação verbal. Só depois descobri que as palavras chegam em desalinho, sem o controle da gramática. Palavra medo. Palavra tédio. Palavra não sei como será. Palavra cansaço.
Meu ouvido escuta, escuta e a palavra vira música. Tem tom, melodia, harmonia, composição. Para os mais experientes, há a improvisação. E no meio da canção a nota dissonante. Palavra desafinada. Palavra me ajuda. Palavra não consigo mais sozinha. Palavra socorro.
Também procuro uma palavra que me salve. Uma que seja palavra porto, embarcação. Palavra viagem, ida e volta. Sem inundação ou maremoto. Que não faça escarcéu. Que não me negue mais o que procuro, que me jogue uma boia e me salve deste mar aberto que é a vida. Preciso de uma palavra que me salve da saudade daqueles que já se foram. Que me ajude a saber que tudo passa e que jamais tenha desprezo pelas coisas não ditas, que viram malditas e engasgam feito palavra caroço de pêssego. Asfixiam e matam.