Gosto de caminhar. Caminhar nos ensina o mapa do chão. Há coisas que só vemos quando caminhamos. O caminho se faz por aonde nossos pés circulam. Caminhar é um modo de desacelerar o tempo. O dia medido em passos. Os anos contados por meio das passadas. A vida sente o que os pés estão cheios.
No entanto, estamos sempre correndo atrás de algo, mesmo que não saibamos do que se trata. Às vezes parece que perdemos o rumo. Nos perguntamos, como pudemos chegar onde chegamos se não desejamos estar ali? Temos uma mania de olhar somente para frente. Às vezes não há caminho à frente. Trata-se da impossibilidade, da necessidade de pararmos. Geralmente nos assustamos quando somos convidados a apenas estar nesse espaço desconhecido do não-saber. Nessas horas gosto de lembrar que podemos olhar para baixo. O chão guarda nossa memória. Tirar os pés de cima da própria pegada é um modo de observar-se. De quando em quando precisamos reparar no modo como andamos e não apenas se preocupar com o caminho que estamos seguindo. É justamente esse frenesi de ir sempre adiante que nos faz tropeçar nos próprios pés. Calma. Talvez estejamos num tempo em que precisamos nos sentar na beira do caminho, tirar os sapatos, deixar nossos pés respirarem um pouco. Nós nos maltratamos muito. Nos auto exigimos mudanças para ontem. Nos cobramos porque não andamos no ritmo dos outros. Nos achamos lentos demais. Daí, apertamos o passo, competimos com os outros, mas principalmente com nós mesmos. Estamos doendo e mesmo assim seguimos correndo. Tudo começa a doer e mesmo assim nos desrespeitamos e insistimos em acelerar. Você já sabe onde isso termina.
Quando os pés doerem, respeite. A dor é o rompimento da casca daquilo que nos aprisiona. A dor nos coloca diante de algo inapreensível em nossa existência. Do que você tem corrido?
Quando somos “obrigados” a parar um pouco, porque o corpo e alma se machucaram, precisamos redescobrir o sentido do próprio sentir. É claro que esse texto é uma metáfora, talvez uma tentativa de analogia. Somos andantes errantes, que às vezes lembram que caminhar não é correr e que parar faz parte. E, se não fizermos isso por consciência, nosso corpo se impõe e nos faz suspender o trajeto.
Caminhar é também um descaminho. Como diz Deleuze, é preciso que possamos viver o possível, senão sufocamos. Por isso, é bom parar também, embora a sociedade nos cobre produtividade, e sentir o vazio. Movimento contrário. O vazio é o que faz o ar passar por nós. Cheios de expectativas, desejos, necessidades, mágoas, nos estufamos e corremos o risco de morrer empanturrados. Sentir-se no vazio assusta, mas ele não é oco. Quando abrimos mão do controle, ele fala. É o imponderável em nós. Precisamos, constantemente, examinar nossas intolerâncias, para delas nos esvaziarmos. Isso só acontece quando suspendemos o andar por um tempo. A beira da estrada é cheia de surpresas, é nela que nos encontramos.