A primeira vez que li o texto Aula de Roland Barthes, eu era muito jovem. Li porque me fora, de certo modo, obrigado. Achei o texto chato, cheio de referências de um velho que falava sobre sua vida dentro dos estudos acadêmicos. Naquela época eu queria ler Anaïs Nin, Bukowski e Rimbaud. Queria ler algo erótico e de qualidade que me arrebatasse, me deixasse tonta e com vontade de escrever também, não notas memorialísticas de um professor. Uma heresia, confesso, mas não castigada, porque a juventude daqueles anos apazigua a ignorância da época. Há um saber que somente a idade traz. Não sou tão velha assim, verdade seja dita, mas depois dos 40 alguma coisa muda profundamente.
Começo, aos poucos, a experimentar o esquecimento. Já passei da idade em que ensinava o que sabia. Todo professor em início de carreira é um pouco autossuficiente. Depois passei por uma idade em que ensinava aquilo que não sabia. Essa foi uma idade de muita pesquisa. Aprendi muito com esse período, principalmente que é preciso ser humilde diante do (des)conhecimento. E, aceitar que alguém sempre sabe mais do que você.
Os estudos me ensinaram que serei sempre aprendiz, mas agora é um pouco diferente, pois preciso desaprender algumas coisas. Envelhecer é também, como diz Fernando Pessoa na escrita de seu heterônimo Alberto Caeiro, raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. Estou adentrando naquela idade em que é preciso raspar da pele aquilo tudo que já sedimentou, restos, lembranças, passado, coisas mortas. Assim como se atracasse meu pequeno barco e limpasse o casco. A vida é cheia de esquinas. Essa limpeza como uma metáfora sobre a busca das primeiras cores. Sou uma apaixonada pelas cascas das árvores, pelas cascas das cigarras encontradas pelo jardim durante um passeio matinal, por pedras. Há dentro delas um silêncio de mundo. Talvez elas sejam a cura para esse excesso de futuro que há em nós e nos causa tanta ansiedade. É preciso que possamos aprender a fazer pausas. A morte de meu pai me ensinou que a vida sempre pede licença. A doença dele foi um pedido de licença da vida para ir embora. Pausou. E na pausa o coração muda de lugar.
É preciso aprender a abandonar a casca velha para deixar uma nova nascer. Rubem Alves fala das cascas de cigarras. Essas velhas cascas são o registro de um subterrâneo que teve de ser abandonado um dia para que o ser voante pudesse nascer. Penso que a psicanálise é uma espécie de pedagogia do desaprender. É preciso que esqueçamos o já sabido para poder lembrar dos saberes não sabidos. Por mais assustador que seja, é preciso abandonar a casca do consciente para que o inconsciente voe.
Sexta-feira é meu aniversário. Nunca me imaginei com a idade que estou. Meu nome não era para ser esse, meu pai que driblou todo mundo e voltou do cartório tendo me registrado como Adriana. A cada volta completa em torno do sol, todos trocamos de pele. Releio Barthes e me surpreendo ao descobrir que gosto dele, talvez porque hoje eu esteja muito mais perto dele do que da criança que fui.