Um barulho nos invade. Gente falando demais, ouvindo música demais, bebendo demais. Gente gritando demais, avançando sinal de trânsito demais, reclamando demais. É preciso recolher-se. Voltar-se para si mesmo, redescobrir o próprio centro. A vida pode ser mais lenta e silenciosa. O barulho é uma forma de preencher todos os espaços. E há momentos que precisamos suportar o vazio. O vazio não é tão ruim assim. Nem tudo precisa ser preenchido. As horas podem ser vazias, vazias como uma piscina na qual se nada no mais absoluto silêncio. Embaixo da água somos obrigados a nos esvaziarmos de nós mesmos. Às vezes precisamos de uma folga de quem somos. Precisamos desviar o olhar da nossa própria imagem. Sim, porque de quando em quando somos insuportáveis. Nem nós mesmos nos aguentamos, imagine os outros. Ter autocrítica é fundamental, nos ensina a silenciarmos.
Eu amo música, penso sempre que toda a vida precisa de uma trilha sonora, mas até para a música é preciso de limite. Música demais não deixa escutar o que realmente faz barulho dentro da gente. Talvez por isso se tenha tanto medo do silêncio, porque é no silêncio que ouvimos nossos fantasmas gritarem alto. É no silêncio que enfrentamos nossos sentimentos mais primitivos, aqueles que não queremos que ninguém saiba. Então o som aumenta e até uma música boa fica barulhenta.
O barulho é o excesso. E em todo excesso há um princípio de destruição. O excesso nos afasta da existência, nos arranca os pés da realidade e nos faz ficar birutas. Aquilo que era para ser bom passa a ser enlouquecedor. Sentimos um desconforto, mas tamponamos com outros excessos. Mais barulho ainda, mais internet ainda, mais medicação ainda.
É preciso baixar o volume do mundo. Com toda essa excitação que nos alcança os ouvidos, a pele, os poros, a mente, a alma, deixamos de ouvir o que importa. E o que importa? Talvez a primeira palavra dita pelo filho ainda bebê. Talvez a chance de ouvir-se dizendo um eu te amo. Talvez a beleza da chuva caindo em meio a madrugada, nos ajudando a encontrar o sono perdido. Talvez o rosto entristecido de um amigo que precisa conversar sobre aquilo que o está machucando. Talvez a noção de que não somos tão importante assim quanto pensamos, afinal, o volume que está dentro do seu carro é seu, não precisa compartilhar com a rua toda.
Sempre lembro da música do Frejat, do verso que diz que rir demais é desespero. E penso, quanto desespero há no barulho. Há no barulho uma despresença, um afastamento de si e dos outros. Talvez seja essa a busca: a distância, no entanto, esse tipo de distância causa angústia. Parece paradoxal, mas permitir-se encontrar-se com o próprio silêncio é alcançar uma distância saudável de si mesmo, principalmente. É chegar a uma lonjura boa, daquelas que, apesar de assustadora num primeiro momento, nos coloca a par das nossas dores. E é vivenciando as dores, que descobrimos que podemos ser alegres e divertidos, sem fazer barulho algum.