Toda mulher quer ser amada, diz o verso da música de Rita Lee, mas cá entre nós, as celulites que carregamos merecem o mesmo. Queremos ser amadas pelos cabelos brancos que decidimos assumir depois dos 40. Queremos ser amadas pelas rugas que surgiram em nossos rostos e que talvez não queiramos escondê-las. Queremos ser amadas pelos nossos cabelos cheios de nós quando despertamos pela manhã, com a cara amassada depois de uma noite curta de sono. Ainda mais se no meio da noite tivemos de levantar mais de uma vez para dar de mamar ao bebê. Queremos ser amadas pelo nosso mau humor, porque às vezes é tudo tão complicado e cansativo que só uma cara fechada expressa o tamanho do caos interno. Queremos ser amadas pelas nossas unhas curtas, porque unhas longas e postiças não nos deixam nem usar o teclado do computador direito. Queremos ser amadas sem os cílios postiços que nos fazem parecer uma boneca. Queremos ser amadas pelas varizes que temos e que nos chegaram depois da gestação. Virar mãe é habitar muitas ambivalências.
Queremos ser amadas pela nossa cabeça, nossas ideias e pensamentos, porque não somos meros objetos. Queremos ser amadas pela boca que temos, não por causa do botox, mas porque sabemos que podemos usá-la para gritar, pedir ajuda, dizer daquilo que não gostamos, do que gostamos, do que não toleramos mais e do que desejamos. Queremos ser amadas pelo sorriso verdadeiro que temos, e por saber que cansamos de sorrir para parecer ser a boa moça que carece de agradar todo mundo.
Queremos ser amadas porque colocamos nosso trabalho em primeiro lugar. Queremos ser amadas e compreendidas quando não desejamos ser mães. Queremos ser amadas pela risada que temos, alta e alegre e não reprimidas porque não deveríamos rir desse ou de outro jeito. Queremos ser amadas por não usarmos salto alto, porque como toda mulher normal, em algum momento sofremos de artrose nos dedos dos pés por passar uma vida inteira sobre um salto. Queremos ser amadas pelas roupas íntimas que usamos, tão confortáveis quanto qualquer samba-canção.
Cá entre nós, mulheres reais não tem cintura fina, não pesam menos de 50 quilos, não vivem de lingerie sedutora, não tem vontade de transar todos os dias e sentem fome, como qualquer ser humano. Mulheres reais são mães, têm cabelos brancos, tentam fazer a unha uma vez por semana, quando dá, trabalham, pagam boletos. Mulheres reais assustam, não só porque não correspondem a fantasia da beleza e perfeição, mas porque pensam. Mulheres reais usam a boca para falar, para exigir seus direitos, para pedir ajuda, para dizer das coisas que não gostam, para rir. Mulheres reais sofrem com os estereótipos do corpo padrão. Lutam contra racismo, hierarquia de classe, meritocracia, misoginia. Mulheres reais vivem numa sociedade em que é muito difícil conseguir ser o que querem ser sem serem julgadas. Pegam mais de um ônibus por dia, acordam cedo, atravessam a cidade para trabalhar, estudam à noite, ganham menos que os homens e principalmente, algumas de nós, não gostam de usar rosa.