Tempos de dor. Nosso tempo já não é mais uma senhora de inocências. Nem de ternuras. É antes de desamor. Sábado, durante a interrupção da transmissão da escolha da rainha e princesas da Festa da Uva 2022, por conta do mal súbito que acabou levando à morte a mãe da candidata Bruna, pudemos constatar, outra vez, o quanto o ser humano é atroz. Enquanto a situação era tensa, tanto para quem estava trabalhando na execução quanto na transmissão jornalística do evento, como para quem estava em casa à espera de alguma notícia, o chat era inundado de frases imbecis, intolerantes e maldosas. Gostaria muito de pensar que eram robôs agindo assim, mas meu pessimismo me leva a crer que eram pessoas mesmo, dessas que compram pão todos os dias.
O que aconteceu com o ser humano? Sei que é uma pergunta clichê, mas não é retórica. Me pergunto sempre. As pessoas confundem liberdade de expressão com falta de bom senso, opinião com achismo. Claro que o chat virou espaço de quase pancadaria online, pois havia os que se indignavam e também faziam uso do espaço pedindo um pouco mais de respeito. No antigo dito popular isso era gastar saliva, agora é gastar tempo e palavras. Há pessoas com uma vida tão miserável que o único prazer é (re)produzir a própria miséria nos discursos virtuais.
A nossa escrita, o modo como imprimimos a palavra nos espaços e suportes, veste-se de muitas roupagens, e tentando olhar de longe penso que a natureza do nosso narcisismo conota nosso texto. Sempre buscamos o reconhecimento do outro, a admiração, o afeto, o impressionante é que há uma massa de seres que buscam ser reconhecidos pelas coisas (mal)ditas. Um reverso doente até as raízes.
Tem uma máxima chinesa, atribuída ao filósofo confucionista Xunzi, que viveu no Século 3 a.C., que diz “a natureza do homem é má: o que há de bom em nós é artificial”. Quando acesso as redes sociais e presencio situações como essa ocorrida no sábado, parece que a frase prova de modo vivo e forte o que o filósofo pregava.
Sábado à noite, vivemos um momento profundamente triste. Presenciamos a nossa vulnerabilidade, nossa impermanência, nossa capacidade de sentir a dor com o outro e tudo ali, ao vivo. Mostramos o quanto somos solidários e o quanto somos abjetos. O mais impressionante é a hipocrisia. Quantos daqueles que ocuparam o espaço publicando memes e piadas com a dor da perda fazem isso olhando olho no olho? Mas a maldade é visível sempre e antes que alguém diga que isso tudo é blábláblá ou mimimi, constatamos que o lado mais sujo do ser humano se espalha pela internet.