Por Jocélio Cunha, presidente do Hospital de Clínicas de Carazinho
No último dia 31 de agosto, a rede social X, antigo Twitter, foi bloqueada em todo território nacional atendendo a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao justificar a suspensão da rede social, Moraes citou o Marco Civil da Internet e disse que as empresas de internet devem ter representação no Brasil e cumprir decisões judiciais sobre a retirada de conteúdo considerado ilegal.
O ministro também afirmou que Elon Musk, proprietário da rede, retirou a empresa do Brasil com o objetivo de não cumprir as decisões judiciais do STF. Países como a China, Coreia do Norte, Irã, Turcomenistão, Paquistão, Venezuela, Rússia e Mianmar, também bloquearam as operações da rede X.
Em seu perfil no X, Musk postou na madrugada deste mesmo sábado que a plataforma é a fonte de noticias mais atualizada no Brasil.
“É o que o povo quer” escreveu. “Agora o tirano de Voldemort está destruindo o direito das pessoas à liberdade de expressão”, continuou, se referindo ao ministro Alexandre de Moraes e fazendo uma analogia com o vilão da saga Harry Potter, Lord Voldemort.
“A liberdade de expressão é o fundamento da democracia mundial”, escreveu Musk. A empresa, dona do aplicativo X, conta com mais de 20 milhões de usuários em todo o país.
O bloqueio do X no Brasil alimentou o debate sobre o que pode ou não ser dito nas redes sociais e também ao poder ilimitado dos ministros do STF. Uma decisão drástica, mas necessária, ou apenas censura?
Diante desta controvérsia, a população brasileira, além de dividida, não vê apenas isso como uma questão meramente judicial. Segundo o ministro do STF, Flávio Dino, a soberania nacional está acima das redes sociais.
Dino sustentou que uma empresa não pode impor a sua visão sobre “quais regras devem ser válidas ou aplicadas” no país: “o poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição”.
Segundo a pesquisa Atlas divulgada há poucos dias, a maioria dos brasileiros vê a suspensão da rede X e aplicação de multa diária de R$ 50 mil para quem descumprir a decisão judicial, como motivação pessoal e política do ministro Alexandre de Moraes do STF.
A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com recurso no STF contra a decisão que impõe multa de R$ 50 mil para quem acessar a rede social X no Brasil. Para a entidade, a previsão de multa de forma irrestrita impede o direito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Tramita atualmente na CCJ da Câmara dos Deputados, em fase final, Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 28/2024, que permite ao Congresso nacional suspender decisões do Supremo Tribunal Federal, se considerar que o STF ultrapassou o exercício adequado de sua função de guarda da Constituição Federal, desde que a decisão seja tomada pelo voto de 2/3 dos integrantes de cada uma das casas legislativas.
Também inclui medidas que facilitam o impeachment dos ministros do STF e limitam as suas decisões monocráticas. Outra previsão que avançou inclui a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo no rol dos crimes de responsabilidades dos ministros do STF.
Por óbvio, esta decisão tomada pelo STF em relação a rede X não é definitiva e poderá ser alterada desde que atendidas alguns requisitos previstos na própria decisão.
Todavia, os conceitos como democracia, liberdade de expressão e cidadania, outrora bem definidas e claras, têm se tornado cada dia mais nebulosos. A definição tradicional dessas ideias, tão sólidas no passado, hoje parece insuficiente e vaga.
Essa preocupação, sobre os limites do poder daqueles que governam, não é nova, ao longo da história, a humanidade sempre soube que, assim como nenhum direito é absoluto, nenhum ser humano é infalível. E é por isso que existe o contínuo temor de que os que estão em posição de poder, ultrapassem os limites do que e justo, legal e adequado.
Jocélio Nissel Cunha é presidente do Hospital de Clínicas de Carazinho (HCC), vice-presidente da ACIC Carazinho e membro do Conselho Superior da Federasul.