Maria Luísa Camozzatto tinha 54 anos quando se pegou pensando sobre como as pessoas pobres de Passo Fundo enfrentavam dias de chuva em casas vulneráveis ao tempo. Foi aí que teve um estalo: usaria as propriedades das caixas de leite longa vida para barrar o frio e o calor e, assim, fortalecer essas estruturas e seus moradores.
Quatorze anos depois, o projeto que ficou conhecido como Brasil Sem Frestas já protegeu 599 casas e tem bases de trabalho em pelo menos 20 cidades do Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
Química, Maria Luísa entendeu que o revestimento das caixas de leite funciona como uma via de mão dupla: no inverno mantém a casa aquecida e no verão regula a temperatura, deixando o ambiente mais agradável.
— Lembro da primeira casa até hoje. Fomos no meu carro, eu e mais cinco voluntários. Levamos o revestimento no porta malas mesmo. Na época mal tínhamos martelos, muito menos grampeadores. Colamos tudo com percevejos — lembra.
Depois de anos de trabalho, Maria Luísa escreve um livro para repassar as informações do projeto para as próximas gerações.
— A gente espera que eles (os jovens) venham (ajudar o projeto). Até porque assim eles podem melhorar a ideia — disse ela.
Trabalho a muitas mãos
Se no início apenas cinco voluntários estavam no projeto, atualmente são 50. Um deles é o autônomo Vinicius Boeira, 38, que faz parte do Brasil Sem Frestas há cinco anos. Segundo ele, cada casa exige um trabalho diferente.
— Tem casa que é mais baixa, mais alta. A gente procura deixar as chapas alinhadas para não entrar nada. Não adianta vir aqui e fazer algo mal feito. Além do conforto térmico, tem também o conforto visual. E é bacana depois ver a alegria das famílias com o nosso trabalho — conta.
Boeira ajudou a proteger a casa de Daviel Jesus Aular Rengel, 21 anos, que chegou no Brasil após migrar da Venezuela em 2021. Desde o início do ano, é um entre as 130 famílias que vivem na Ocupação Floresta, em Passo Fundo.
Ao lado do tio, construiu uma casa de madeira de dois cômodos. As frestas, contudo, não demoraram a aparecer e o jeito foi improvisar com PVC ou fita crepe — incapazes de reter calor em dias frios.
— O primeiro dia foi mais ou menos, mas o segundo foi frio, muito frio. Pensei que não ia dar. O jeito era colocar casaco, manta, luva. Acordei várias vezes, mas não tinha o que fazer. De manhã tinha que ir trabalhar — lembra Daviel, que trabalha como operador em um mercado.
É para levar a solução para pessoas que passam frio como Daviel que a Regina Camargo Sobiesiak, 65 anos, resolveu ser voluntária do projeto há seis anos. A cada revestimento de casa o sentimento é de dever cumprido.
— Toda vez que volto para o conforto da minha casa eu sempre digo: gratidão que eu tenho a minha e posso dar um pouco mais de conforto a outras pessoas também — disse.
Como doar caixas de leite?
Onde: rua Fagundes dos Reis, 97, centro
Quando: segundas e quartas-feiras
Horário: das 14h às 17h30min
Telefone: (54) 99128-3327