Rosa Jussara Barbosa completa 48 anos em 2023. Há exatos 30 anos ela chegou em Passo Fundo para morar com a tia, no bairro Petrópolis. Cheia de sonhos, a jovem veio pra cidade grande tentar uma vida melhor. O início não foi exatamente como sonhava, mas certamente tudo o que surgiu depois disso foi aprendizado e muitas conquistas. A menina que sonhava em trabalhar em escritórios e ser atendente de lojas, se tornou uma das melhores corredoras que Passo Fundo já teve.
O começo não foi fácil, Rosa só conseguiu um emprego de doméstica. Foi assim que ela começava uma jornada na capital do Planalto Médio, sem nunca imaginar que se tornaria um ícone para a cidade.
De estatura pequena e um espírito de superação gigante, Rosa nasceu em oito de junho de 1975, na cidade de Alpestre, a 161 km de Passo Fundo. Os pais tinham uma pequena propriedade e não tinham condições de arcar com custos de estudo depois do antigo 2º grau. O sonho de Rosa era fazer uma faculdade e acabou sendo adiado.
— Trabalhei por quatro meses como doméstica, porque era o que tinha no momento. Depois fui trabalhar na antiga Frangosul, onde permaneci por quase cinco anos na linha de produção.
Foi tentando economizar na passagem de ônibus que Rosa começou a correr para ir para casa no final do expediente. Uniu a vontade de ter um corpo esbelto à força de vontade de economizar um dinheiro em um momento de dificuldade. A empresa ficava na Vila Mattos e ela morava no bairro Petrópolis, uma distância de 7,5 km.
— Foi indo para casa a pé, correndo, que comecei a gostar dessa prática, mas nunca, nem em sonho, imaginava que correr seria minha vida.
Preocupada com o futuro, focada em melhorar de vida e por gostar da área da saúde, fez curso de auxiliar de enfermagem e tentou uma vaga na empresa nesta área. Não aceitaram e ela pediu demissão.
— Nessa época eu já estava correndo um pouco e em 1998, quando ainda estava na empresa, um senhor me convidou para participar de uma competição no Quartel do Exército. Eu era extremamente tímida, corria com camiseta larga e calção de futebol, tinha vergonha. Não tinha um tênis apropriado, mas competi e ganhei a prova.
Neste momento o então professor José Florenal, referência do atletismo em Passo Fundo, a convidou para correr profissionalmente e começou a treinar Rosa.
— Eu tinha concluído o auxiliar de enfermagem e estava começando o técnico em enfermagem, porque nunca me imaginei vivendo do atletismo financeiramente. Patrocínio não tinha, a não ser que você tivesse muito destaque, Nesse período eu treinava com o Florenal, fiz o curso e conheci meu marido, o João, da mesma idade, que também corria.
A decisão que mudou sua vida
Com dificuldades financeiras, o curso técnico de enfermagem concluído, Rosa foi em busca de um trabalho com renda garantida.
— Tinha feito inscrição para trabalhar no Hospital São Vicente de Paulo e quando cheguei na entrevista contei para a moça do Recursos Humanos sobre meu sonho de correr e que estava ali por uma opção de segurança. Ela me disse que se meu sonho era correr eu tinha que fazer isso, dar uma chance para o atletismo para não ser uma profissional frustrada. Disse que se não desse certo o atletismo eu poderia volta para a enfermagem, mas se ficasse na enfermagem não poderia voltar para o atletismo. Então nesse momento eu tomei a decisão da minha vida.
Seguindo o sonho
Um ano depois, em 1999, Rosa já estava se destacando nas corridas em nível regional, mas precisava se manter e ainda não recebia nada financeiramente por meio do esporte.
— Fui ficando mais conhecida, ganhei um dinheirinho, me destaquei no regional, estadual, em Santa Catarina e Paraná. Deixei de treinar com Florenal.
Em 2001 Rosa foi a 3ª colocada na Primeira Maratona de Porto Alegre, um ano depois na Maratona de Blumenau, onde bateu o recorde da prova, competindo com uma queniana e duas competidoras de paulistas.
— O Alexandre Minardi, do Cruzeiro de Belo Horizonte, me contratou na hora. Comecei a treinar no clube, mas precisava me deslocar de Passo Fundo a São Paulo, foi ficando inviável e eles queriam que eu fosse morar lá. Acabei ficando só quatro meses correndo pelo Cruzeiro. Eu tinha meu marido aqui, o trabalho estava estabelecido. João, casado com Rosa, trabalha como azuleijista, na colocação de pisos.
A então atleta, seguiu correndo na região sem patrocínio. Sua renda vinha dos prêmios que ganhava nas corridas, em alguns não ganhava nada. Rosa chegou correr quatro maratonas em um ano para poder se manter no atletismo, um esforço sobrenatural de corpo e mente.
Em 2005 teve a oportunidade de treinar pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), foi sua primeira renda fixa para correr. Começava ali o outro sonho da jovem moça: fazer faculdade de Educação Física. Entrou na Universidade de Passo Fundo, aos 30 anos.
Na UCS, Rosa foi para três mundiais representando a Seleção Brasileira de Atletismo. Participou em 2005 do Mundial de Meia Maratona no Canadá, em 2006 foi para a Hungria em Debris, no Mundial de 20km. Em 2007 participou do Mundial de Cross-Country no Quênia e de dois sul-americanos no Rio de Janeiro e Mar del Plata, na Argentina, competições de nível mundial.
Representando o clube, ainda participou das principais provas do Brasil, como a Meia Maratona no Rio de Janeiro, Ponto da Pampulha, Maratona de São Paulo, onde conquistou três pódios, dois quintos lugares e um terceiro lugar.
Por uma decisão interna a equipe de atletismo da UCS chegou ao fim e logo depois Rosa foi convidada a integrar a equipe da Ulbra Susano, de Canoas.
Mãe aos 37 anos
Passados quatro anos, em 2012 a atleta teve dúvidas se continuaria competindo ou se realizaria o sonho de ser mãe.
— Era minha última chance, parar e ter filho ou seguir, era o que tinha decidir. Estava com 37 anos terminando bacharel em Educação Física e a carreira. Ainda tinha fôlego para correr, tanto que corri até os 42 anos.
A atleta não imaginava ser mãe, não achava merecedora da nobre tarefa. Hoje compreende que o amor de mãe é ilimitado e aprende todos os dias com a pequena Anita.
— Cheguei no limite da idade, 37 anos. Meus pais queriam neta pois já tinham somente um neto menino, filho da minha única irmã. Tentamos e engravidamos. Eu sempre pensava que se fosse mãe queria que fosse de uma menina e o nome dela seria Anita, por causa da Anita Garibaldi.
Rosa teve uma gestação tranquila. Competiu até o oitavo mês de gestação em três Meia Maratonas com Anita na barriga. Venceu as três, uma delas em Toledo, na Argentina.
— Anita nasceu e em três meses eu estava competindo. Hoje ela está com dez anos, faz aula de violão e faz taekwondo. É amorosa, não é tímida como eu, talvez pelo meio em que ela foi criada. É uma criança muito especial. Eu nunca esperei ter uma filha, não me achava capaz e pra mim isso é muito gratificante.
Nesse período optou por voltar a treinar com Florenal, seu primeiro treinador e finalizou a carreira treinando com ele, por uma opção de ambos.
A menina que chegou sem grandes expectativas e que nunca imaginou ser atleta, ganhou ainda duas últimas maratonas.
Um ano depois que Anita nasceu e antes de aposentar as chuteiras, ou melhor, as pernas, quis treinar sozinha. Em 2015, ganhou uma maratona noturna e neste período começou a treinar pessoas comuns que tinha vontade de correr.
Inquieta, terminou a faculdade e engatou uma especialização. Mas não conseguia se afastar do atletismo, ela respirava o esporte. Nos finais de semana deixava a filha com o marido e passava fora da cidade correndo e estudando.
— João sempre foi um bom parceiro de vida. Entendeu e ajudou sempre.
Competiu até os 42 anos, um estadual e um sul brasileiro e algumas provas em SC e PR.
A academia
Quando deixou de correr, quis aplicar o que tinha aprendido com sua trajetória esportiva. Começou então uma nova fase, na orientação de corrida para pessoas leigas.
— Começou a surgir um grupo, que cresceu e surgiu o projeto de fazer uma academia. O espaço fica no bairro São Cristóvão e foi construído com economias de Rosa e de João. A academia RJ completa três anos em agosto de 2023. Compramos o terrenos e fomos construindo. A academia funciona no segundo piso e o primeiro nós alugamos.
Mesmo não aderindo às redes sociais (os perfis de Rosa foram feitos por alunos, ela não acompanha e não posta nada), sem muita divulgação, ela tem procura intensa de alunos.
— Meu foco não é quantidade e sim qualidade. Trabalho sozinha, não posso ter muitos alunos. Meu objetivo é trabalhar com poucas pessoas, por horário, para dar um atendimento melhor, mais qualificado. Meu público é de pessoas que não gostam de se expor muito em academia, são tímidas, como eu era.
Quem é a Rosa Jussara
Rosa conta que teve problemas na escola por causa da timidez.
— Os professores achavam que eu tinha problema em casa. Um deles chamou meu pai perguntando se tinha algo na família. Nunca esqueço que na 8ª série, um professor de inglês disse que alguns de nós viajariam para fora do Brasil algum dia. Eu pensei na hora que eu jamais teria essa chance. Nunca imaginei que uma menina do interior teria a chance de chegar onde eu cheguei.
No meio dessa trajetória, a atleta conta que teve momentos difíceis, especialmente no início.
— Eu cheguei em Passo Fundo sem conhecimento, não me vestia bem, não tinha condições, faltava instrução, por isso fui trabalhar de empregada doméstica e depois em uma empresa na produção. Eu sempre digo que o atletismo me fez gente, porque me deu chance de fazer a faculdade que eu tanto queria, de viajar, constituir família, conhecer pessoas. Olho pra trás hoje e jamais ia imaginar que construiria uma história de vida como consegui. Valeu muito a pena, porque a vida ensina muito e aprendemos na dificuldade a não desistir.
Ela sempre quis ser independente financeiramente, e conseguiu. Mas para chegar nisso passou por questões difíceis, especialmente quando a família soube que ela se dedicaria ao esporte.
— Minha família não acreditou e achou essa hipótese sem fundamento, sem futuro. Ele comenta hoje que se arrepende de muita coisa. Ele era conservador, achava que mulher tinha casar e cuidar da casa e eu era o oposto disso, queria minha independência. Muitas pessoas se abatem na primeira dificuldade e eu fui guerreira, persistente. Não imaginava que aquele bichinho do mato viraria uma atleta.
Rosa conta que uma das dificuldades quando começou a treinar outras pessoas foi compreender que os outros não são atletas, não precisam abdicar de tantas coisas, se dedicam exclusivamente e ser absurdamente disciplinados como ela era.
— Eu pensava que os alunos que eu treinava tinham que ser disciplinados como eu era, mas eles não são atletas. Hoje consigo enxergar que cada pessoa tem sua história, seus limites.
Maratona Internacional de Foz do Iguaçu marcou o final da carreira
A competição que mais marcou a trajetória de Rosa, segundo a atleta, foi a III Maratona Internacional de Foz de Iguaçu, em 2008, com um dos percursos mais difíceis do Brasil pelo nível técnico e dificuldade da prova.
— Estávamos em cinco corredoras no km 38 e tomei a iniciativa de sair do grupo e isso é um fato isolado porque você sabe que vai sofrer ainda mais. Lembrei que meu treinador disse que eu estava bem e precisava acreditar em mim. Consegui manter o ritmo e vencer. Não foi nem a questão de tempo, mas a prova mais emocionante que venci.
Rosa conviveu com os melhores técnicos e atletas do Brasil. Acredita que o atleta não depende só de estudo.
— O atleta nasce pronto, você apenas o lapida. Se ele cair na mão do treinador certo, que saiba respeitar seus limites e não exija um resultado muito rápido, ele consegue. Isso pode levar cinco, seis anos.
GZH Passo Fundo
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