A sequência de disparates proferida pelo autocrata venezuelano Nicolás Maduro nos últimos dias é típica de líderes autoritários acuados, temerosos de serem apeados do poder. A maioria das pesquisas de intenção de voto sobre o pleito presidencial de domingo indica a vitória do oposicionista Edmundo González, um ex-diplomata sem histórico na política. Caso estejam corretas e não ocorram manobras que inibam o comparecimento de votantes antipáticos ao regime, restaria fracassada a tentativa de Maduro de emplacar um terceiro mandato. Encerraria-se também o período de dominação chavista, que dura 25 anos e legou à população arbítrio, inflação nas alturas, falta de víveres básicos, empobrecimento e êxodo em massa.
É dever do Brasil posicionar-se sempre ao lado da democracia, onde quer que exista ameaça de desrespeito à decisão dos eleitores
Vendo-se sob o risco real de perder uma eleição com o mínimo de competitividade, Maduro alertou na semana passada para o risco de “um banho de sangue” se fosse derrotado. Na terça-feira, em novo surto de despropósitos, contrariou todas as evidências e relatórios de observadores internacionais e elogiou a integridade do sistema eleitoral venezuelano, enquanto atacou a lisura de pleitos no Brasil, na Colômbia e nos Estados Unidos. Seriam apenas declarações anedóticas se, na verdade, não revelassem a ameaça de não reconhecer o veredito das urnas, caso perca.
Trata-se de uma hipótese que não deve ser aceita pela comunidade internacional e por nações da América do Sul em particular. A começar pelo Brasil, que há pouco viveu tensão semelhante. A eleição venezuelana terá observadores da Organização das Nações Unidas (ONU), da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), da Comunidade do Caribe (Caricom), da União Africana e do Centro Carter. O Brasil também terá enviados. Cabe a essas missões denunciar eventuais abusos, fraudes e coerções. Países e organismos multilaterais devem ainda se mobilizar em torno de uma transição sem sobressaltos, ressalta-se outra vez, na hipótese de vitória de González.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pródigo em relativizações sobre a autocracia no país vizinho, foi recentemente alvo indireto das grosserias de Maduro, que também atacou o governo e o próprio país. Lula e o Itamaraty fizeram uma sutil correção de rota em episódios como a crítica, em linguagem diplomática, à obstrução sem explicações plausíveis da candidatura da filósofa oposicionista Corina Yoris. Na oportunidade, o governo venezuelano afirmou que o comunicado brasileiro parecia “ter sido ditado pelo Departamento de Estado dos EUA”. Na segunda-feira, Lula declarou ter ficado “assustado” com a fala de Maduro sobre o risco de “banho de sangue” e disse que “o Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora”.
É dever em especial do Brasil cobrar eleições livres de fato na Venezuela e posicionar-se sempre de forma firme ao lado da democracia, onde quer que exista ameaça de desrespeito à decisão soberana dos eleitores expressada nas urnas. Ditaduras não devem ser mais ou menos toleradas conforme a ideologia. À direita ou à esquerda, despotismos são sempre perversos.