Os homens e mulheres do campo, dedicados a uma atividade a céu aberto, são acostumados aos humores do clima. Habituaram-se também, com o trabalho de sol a sol, a vencer as adversidades causadas por cheias e estiagens, recorrentes no Rio Grande do Sul. Mas nada é comparável à enchente de 2024. Assim como as áreas urbanas e suas populações, o meio rural do Estado, nas regiões mais afetadas, amarga prejuízos bilionários e necessitará de apoio semelhante para recobrar as forças e voltar a produzir. Não será por falta de fibra e vontade que os produtores gaúchos deixarão de se reerguer.
Não será por falta de fibra e vontade que os produtores gaúchos deixarão de se reerguer
Inúmeros levantamentos apontam não apenas as perdas já consolidadas, mas as repercussões negativas à frente, como reflexos na renda dos agropecuaristas atingidos e o possível encarecimento de produtos que chegam aos consumidores nas cidades. O impacto nos hortigranjeiros foi perceptível desde os primeiros dias da tragédia climática, com escassez e aumento de preços.
Os números apurados alarmam. São 206 mil propriedades que sofreram com algum dano. A quantidade de residências rurais afetadas por avarias em diferentes graus, incluindo a destruição total, chega a 14 mil. Mais de 19 mil famílias relataram perdas na infraestrutura das suas posses. Lavouras restaram parcial ou totalmente devastadas. Criações foram arrastadas pela força da torrente e criatórios foram arruinados. Os acessos cortados, deixando isoladas propriedades por vários dias, até hoje causam transtornos e dificuldades para as atividades econômicas.
Em muitos casos, foi perdido em poucas horas o esforço de anos para erguer benfeitorias, adquirir rebanhos, equipamentos, silos e maquinário de elevado valor. Os danos não são apenas financeiros, mas emocionais.
Conforme a Confederação Nacional de Municípios (CNM), os estragos na agricultura gaúcha somam R$ 3,1 bilhões. Na pecuária, R$ 272 milhões. De acordo com a Emater, 2,71 milhões de toneladas de soja foram perdidas. Mais de 17 mil bovinos de corte e de leite sucumbiram, além de 1,1 milhão de aves e 14,8 mil suínos. É alimento que não mais chegará à mesa dos brasileiros e um substancial volume de grãos e de proteína animal que deixará de ser exportado.
As consequências não terminaram com o recuo da cheia. Cerca de 500 mil hectares de pastagens e de milho para silagem foram danificados. Isso significará problemas de nutrição para a criação nos próximos meses, com elevação de custos e diminuição do potencial produtivo de cadeias animais. A enxurrada carregou solos férteis e nutrientes. Só neste quesito, o prejuízo calculado pela Faculdade de Agronomia da UFRGS é de R$ 6 bilhões. Essas áreas terão a sua capacidade de produzir comprometida por anos.
Por trás dos números e das cifras, existem seres humanos. Abalados, reúnem forças para recomeçar. Cada propriedade foi atingida de uma forma. Todas merecem a atenção do poder público para que possam recobrar o fôlego e retomar a nobre tarefa de produzir alimentos. Em especial do governo federal, pelo simples fato de ser o ente capaz de tomar as inciativas de maior impacto financeiro. Desde a reconstrução de moradias, em programas como o Minha Casa Minha Vida na modalidade rural, que carece de maior celeridade, até a renegociação em termos especiais de financiamentos anteriormente contraídos e apenas prorrogados. Sem se esquecer do crédito novo prometido em condições adequadas a uma situação de calamidade, concedido de forma ágil e desburocratizada.